3 de janeiro de 2000

Colecções de cromos


As colecções de cromos sempre foram um dos passatempos preferidos das crianças, mas não só. Coleccionar é um modo de aprender e absorver cultura, principalmente com as colecções de teor didáctico. Com elas aprendia-se história, geografia, características dos povos, raças e costumes, fauna, flora, etç.

É claro que, principalmente para os rapazes, os cromos de futebol foram sempre os mais apetecidos e coleccionados. Com esses cromos, definiram-se paixões pelos clubes e sonhava-se com os ídolos, fossem um Eusébio, um Yazalde ou um Pavão.
Cromos dos rebuçados Victória

Na nossa freguesia de Guisande, os cromos, ainda no tempo dos caramelos e dos brindes associados, vendiam-se principalmente nas mercearias da S.ra Amélia e do Sr. Domingos "Gaipira", ambas no lugar de Casaldaça. Não tenho memória de serem vendidas noutros locais e creio que nem mesmo na mercearia do Sr. Neca.

Para além das muitas colecções que ano a ano iam sendo editadas e vendidas, recordamos sobretudo a colecção de cromos dos rebuçados da Fábrica de Confeitaria Victória, da cidade do Porto, que ali pelos finais dos anos 60 e princípios dos anos 70 deliciavam a rapaziada. Primeiro porque adoçáva-mos a boca, como autênticos glutões, na ânsia de desembrulhar os cromos (afinal os próprios invólucros dos rebuçados), chegando a encher a boca com dezenas desses pequenos rebuçados com sabor a mel, quando o que pretendíamos, afinal, eram os cromos. Com cinco tostões (50 centavos) comprava-se uma mão cheia de rebuçados.
Estes, uma vez recortados, eram colados e coleccionados em pequenas cadernetas, feitas de papel muito fino e frágil. A própria goma amarelada do rebuçado humedecido servia de cola. Outros, porque na altura não havia a panóplia de colas escolares de agora, utilizavam uma mistura de farinha de centeio ou de trigo com água, e com umas gotas de limão ou vinagre, para não azedar. Estes métodos resolviam, à falta de melhor, mas hoje, com trinta e quarenta anos de velhice, muitos dos cromos apresentam um aspecto escurecido, o que é pena.
A colecção, no caso a série Zoológica (há mais séries da Victória, de que noutra altura recordaremos, nomeadamente com figuras da História de Portugal, e mesmo de jogadores de futebol)) era composta por 200 cromos, começando pelo número 1, a vespa, até ao número 200, o veado.
Da bicharada constavam insectos, mamíferos, peixes, répteis e aves.

Esta coincidência, de dois nomes iniciados pela letra V, certamente será uma referência propositada à Victória. Esta colecção, como muitas outras, tinha os seus cromos considerados difíceis, quer dizer que eram raros e saíam em pouca quantidade. Neste caso, os mais raros ou difíceis eram os cromos do bacalhau, da cobaia e do cabrito. À volta deste facto, na época chegou-se a generalizar o dito popular "é mais difícil do que o bacalhau."
Este estratagema dos cromos raros ainda hoje é aplicado e tem a ver com questões editoriais e para obrigar à compra de mais cromos na expectativa de sair o cromo em falta e tão ansiado.
Estes cromos, por serem em papel muito fino (chamado papel cebola), eram ideais para o jogo do vira. Os diversos jogadores, sobre uma mesa ou sobre um muro ou o pátio de uma escada, colocavam um cromo com a estampa virada para baixo. Depois, de acordo com a ordem estabelecida, o jogador  formava uma concha com a palma da mão e batia em cima do monte de cromos com o objectivo de os fazer virar. Os que virasse era ganhos. Convém dizer que eram usados sobretudos os cromos repetidos e havia alguns números que eram às dezenas, em contraponto aos cromos raros.

A colecção, retrata o mundo animal, com insectos, peixes, crustáceos, aves, mamíferos selvagens e domésticos, répteis, etc, em desenhos de um grafismo simples, e impressos a uma cor, mas em cores diferenciadas (ou seja, há cromos na cor azul, vermelho, verde, preto e sépia), permitindo páginas coloridas e apelativas.

Houve mais do que uma versão no aspecto do design dos bichos, com os da primeira versão desenhados de forma muito infantil e com pouca ou nenhuma qualidade. No entanto, pela raridade, têm igual ou superior valor de colecção. Os produzidos pela década dos anos 1970 eram mais elaborados, sendo o seu autor um Carlos Biel, com o qual cheguei a ter o prazer de conversar por contacto de email.  Terá dito que não podia assinar os desenhos dos cromos mas que em alguns deles, de forma dissimulada lá conseguiu colocar pelo menos as iniciais do nome.

Nessa versão os cromos eram desenhados em cor monocromática mas em diferentes tons, nomeadamente, vermelho, verde, azul, castanho e preto, no que depois de colados davam um aspecto colorido. Claro está que poucos ligavam ao ordenamento da cor, já que o mesmo cromo podia ter qualquer uma das cores referidas, mas outros, mais preciosistas, faziam combinações de cor, ou por página, por linha ou coluna.

Pessoalmente tenho mais do que um exemplar de ambas as versões.