Na aldeia de Sandiães não havia família mais numerosa que a dos Loureiros, que só à sua conta formava quase o lugar inteiro de Casal do Viso.
O rasto da origem da família recuava a Bonifácio Loureiro, bisavô daquela gente toda. Ainda criançola e de pés descalços viera ter a Sandiães, a casa de um parente afastado, mandado e recomendado pelos pais, pobres caseiros dos lados de Cabreiros, com pedido de lhe dar carga de trabalho e rédea curta. Em troca receberia apenas a escola primária e pouco mais que uma côdea molhada de caldo de couves e feijões.
Quase de origem misteriosa, que as poucas falas adensavam, cresceu e fez-se homem o Bonifácio Loureiro, que à custa de tanto trabalho e de um casamento feliz e espertalhão com a Alzirinha, filha única do João dos Travassos, timbrado debaixo de uma meda de palha à sombra do estio de um Agosto, em poucos anos conseguiu aumentar o rol de leiras, várzeas e tapadas e morreu de velhinho com fama de lavrador abastado com bens ao sol e ao luar e várias cabeças de gado a pastar pelos viçosos lameiros.
Deixou uma corja de filhos e filhas que entre si dividiram propriedades e nelas, dispostas ao longo do velho caminho, edificaram um casario juntinho como ramos apegados ao mesmo tronco. É esta, pois, a breve história da origem dos Loureiros em Sandiães.
Unida nessa fraternidade serrana, nunca ninguém subtraiu a fama de trabalhadores a essa famelga. Lavradores, pedreiros e trolhas, os Loureiros eram exemplos de como se faz vida cavando e construindo de sol a sol.
Apesar dessa imagem de mouros e gente de trabalho, os Loureiros não gozavam de grande fama na freguesia porque poucas vezes iam ao redil do padre Arnaldo e deste pouca farinha faziam da cantilena de que nem só de pão vive o homem. Desde o mais velho, o Joaquim até à mais nova, a Celina, os Loureiros gostavam pouco de missa e muito menos de sermões. Por desfastio, e porque até por entre tojo e carqueja brotam as mais delicadas flores, eram, todos eles, devotos zelosos de S. Tiago, que se abrigava na capela do lugar e onde, lá pelos calores de Julho, se celebrava uma rija romaria.
Por essa altura, era ver os Loureiros, zelosos e vaidosos, ou na sua opa escarlate a empunhar a vara do juiz da festa ou a segurarem as pernas da aranha do pálio que regava de sombra a careca macia do padre Arnaldo, ou então na sacristia a recolherem as esmolas e promessas. Mesmo na véspera, a Celina, a Rosa e Cassilda bordejavam o arraial e capela de enfeites e grinaldas de papel de crepe.
Porém, dançada a última cantiga e estourado o último foguete, a famelga voltava à aridez do trabalho e da canseira nos campos, e para com as demais festas, fossem elas quais fossem, mesmo que pelo Natal ou Reis, a carranca de Lazarim era a cara com que recebiam peditórios e rusgas de Janeiras. Para estas, mal se ouvia o tinir do ferrinho e o chocalhar da pandeireta lá no alto da curva do caminho velho, trancas à porta e luzes amortiçadas. – Que passassem e andassem! - Dali, esmolas só para o S. Tiago!
Américo Almeida