Em meados dos anos 80 Portugal vivia a anarquia das rádios piratas, sobrepondo-se de forma rebelde e irreverente ao monopólio das poucas e únicas rádios nacionais, como a Rádio Difusão Portuguesa, a Rádio Renascença e a Rádio Comercial. A pirataria radiofónica que se propagou rapidamente a todo o país, foi um processo que terminou em 1989 com o Governo finalmente a legislar e a regulamentar a sua actividade. Não podia deixar de ser, mas porventura não da forma mais justa e adequada, mas, como se adivinhava, a favorecer alguns interesses entretanto já instalados, nomeadamente o poder de muitas câmaras municipais que viam nessas rádios instrumentos perfeitos e "testas-de-ferro" para a apologia do status quo.
No concelho de Santa Maria da Feira eram várias as rádios piratas, incluindo a RCG - Rádio Clube de Guisande.
No processo de atribuição de licenças, o nosso concelho ficaria apenas com duas frequências. A RCG ainda integrou o consórcio Rádio Terras de Santa Maria, que abrangia diversas rádios, congregando forças para ampliar as possibilidades na atribuição, mas desde logo adivinhou-se que ia sair vencedor quem tivesse mais peso e influência e já estivesse a mexer os cordelinhos nos bastidores. Assim passaram nesse crivo a Rádio Clube da Feira e, surpreendentemente, a Rádio Águia Azul, as quais ao longo dos anos próximos, com altos e baixos e mudanças de propriedade, nem sempre tiveram o vigor e a importância que seria de esperar. De algum modo ficou a ideia que nem se comeu nem se deixou comer.
A Rádio Clube de Guisande foi fundada por Rui Giro e Américo Almeida, no Verão de 1984, no âmbito das actividades da então dinâmica Associação Cultural da Juventude de Guisande. Pelo que eram necessários conhecimentos técnicos, a dupla contou com o apoio do António Pinheiro, entusiasta da electrónica, que já tinha um pequeno transmissor e que foi aproveitado. Mais tarde foram melhoradas as condições técnicas com um transmissor mais potente e com a instalação de uma antena montada num alto poste que ali na sede foi montado e que ainda lá se encontra.
Durante quase cinco anos a Rádio Clube de Guisande foi crescendo dentro das suas limitações técnicas e humanas mas não deixou, enquanto existiu, de ser um importante ponto de encontro e convívio de um grande grupo de jovens, não só da freguesia como de outras terras. Música, desporto, entrevistas, passatempos e cultura, estiveram sempre presentes na antena difundida na frequência modulada (FM) 107.7. O amadorismo evidente a par das insuficiências e improvisos técnicos por vezes pregavam das suas e pelo meio de uma música mais espiritual ou de uma introdução mais compenetrada lá saía uma "caralhada" vinda de uma qualquer cassete. Mas foi uma boa época e fizeram-se coisas engraçadas e motivadoras. Podemos dizer que foi o período áureo do movimento juvenil na nossa freguesia.
No seu processo de crescimento e desenvolvimento foram realizadas obras e melhoramentos ao nível do equipamento e de um estúdio "cinco estrelas" e a instalação de uma antena, conforme atrás referido, que permitia a radiação do sinal para quase todo o concelho e não só.
A Rádio Clube de Guisande, terminou por imperativos legais em 1989 mas para além das memórias e apontamentos para a história da freguesia e do concelho, que mereceriam uma mais profunda análise, ficaram alguns vestígios que ainda permanecem, como é o caso (ver fotografia acima) da antena exterior, ao lado da velhinha sede da ACJG, a sede do jornal "O Mês de Guisande", ainda vertical e vigorosa como um monumento à memória dessa época e desse movimento. O processo da sua própria instalação daria uma interessante história. Ficará para outra altura.
A. Almeida