22 de janeiro de 2018

Criancices, censura e hipocrisia



Está instalada a polémica à volta do novo programa de entretenimento da estação televisiva SIC, SuperNanny. Creio que já todos saberão como funciona pelo que me escuso de estar a explicar. Grosso modo é alguém que se substitui aos pais na tarefa de educar e com métodos mais ou menos discutíveis procura "pôr na linha" algumas crianças problemáticas, daquelas que batem e insultam os paizinhos, entre outros mimos filiais. A própria SIC justifica-o como sendo "...um programa educativo que ajuda pais e mães a educar os seus filhos com a finalidade de corrigir os problemas de conduta". Apesar desta justificação, não é nem mais nem menos que um típico programa de lixo, um reality show, onde de algum modo se explora a vida alheia e com uns condimentos televisivos se serve fresco aos consumidores ávidos deste tipo de conteúdos.

A polémica à volta do primeiro episódio traduziu-se num rol de críticas e tomadas de posição de algumas entidades, nomeadamente a Comissão Nacional de Protecção de Direitos das Crianças e Jovens (CNPDCJ), a Unicef, o Instituto de Apoio à Criança, bem como vários especialistas, que alertaram ao longo da última semana que o programa viola os direitos das crianças. Estas críticas e recomendações de suspensão do segundo episódio, caíram em "saco roto" e a SIC transmitiu o programa, tornando-se, como fruto proibido, o programa mais visto no respectivo horário.

Pessoalmente, na minha humilde e leiga opinião, há de facto matéria que deve merecer crítica e por isso contenção, desde logo o facto de se estar a expor uma criança e o que isso poderá representar no seu futuro quanto à sua reserva de intimidade, sabendo-se que na actualidade com as ferramentas da internet e das redes sociais, o que for publicado acaba irremediavelmente por ser guardado e  partilhado, nem sempre por pessoas com boas intenções, ficando permanentemente esse rasto. Os efeitos ou consequências futuras podem de facto ser  nefastas e adversas. 

Há, por outro lado, outras questões paralelas, subjectivas ou objectivas, de direito ou de ética, que podem ser discutidas, como a questão da família da criança receber dinheiro como contrapartida à cedência da imagem dos filhos e a sua legitimidade para disporem destes como sua propriedade, sendo que responsáveis por elas, Mas parece-me que por parte das entidades referidas, para além de algumas razões de princípio e de fundo, diria até de bom senso, há também e sobretudo muita hipocrisia e muita censura, esta própria de outros tempos. Hipocrisia porque nunca se viu qualquer reacção deste tipo de entidades quanto à exploração permanente das criancinhas noutro tipo de exposição pública e mediática, nomeadamente a participação em filmes, novelas, espectáculos e reality shows televisivos nas áreas das suas habilidades e talentos, cantigas, culinárias, etc, etc. 

Parece-me que com mais este exemplo, mesmo que supostamente num regime de plena liberdade e garantias, estamos a atravessar um período de alguns excessos de zelo fascizantes, tratando criancinhas como adultos e adultos como criancinhas. A coisa já começou nas limitações aos fumadores, agora ao consumo de sal e açúcar, venda de snacks, etc, etc. Não tarda a termos uma Comissão de  Censura a determinar o que podemos comer, beber e vestir, o que nos leva a concluir que estamos já a ser educados por uma SuperNanny hipócrita, autoritária e censuradora, nem mais nem menos que o Estado e algumas das suas instituições.