Ocorre neste Domingo, 28 de Janeiro, a Festividade em honra de S. Vicente Mártir, padroeiro da freguesia vizinha de Louredo.
Noutros tempos, apesar de ocorrer em pleno Inverno, e por isso sujeita às inconstâncias do tempo, era uma festa de tradição nas redondezas e o povo, mesmo de Guisande, lá acorria ao "S. Vicente de Ferreira", para pagar promessas, comprar regueifa e figos.
Esta de convencer o povo, tanto de Louredo como das vizinhanças, que o seu patrono era o S. Vicente, mas o Mártir e não o de Ferrer (Ferreira), é uma luta antiga, travada pelo próprio e saudoso pároco louredense, Pe. Acácio Freitas. De resto, na sua monografia sobre a freguesia de Louredo, relata que deu logo com esta confusão do povo, mesmo no início da sua vinda para a freguesia. Passamos a transcrever essa passagem, que é elucidativa:
"Poucos dias após a entrada nesta paróquia, a 23 de Novembro de 1958, vieram ao meu encontro três senhores, cujos nomes já não recordo, dizendo ser a "Comissão de Festas em honra do Padroeiro, São Vicente Ferreira". Devo confessar que estranhei ouvir falar em semelhante Santo e sugeri se não seria "São Vicente Ferrer".
Disseram-me que era assim que os párocos, meus antecessores, o apelidavam. Como fui apanhado de surpresa, combinamos o programa da festa para o dia 22 de Janeiro, como era da tradição. Após a sua retirada, fui imediatamente consultar o Afio Litúrgico, de Pius Parsch, que tinha mais à mão, e verifico afinal que no dia 22 de Janeiro se festejava São Vicente Mártir e não São Vicente Ferrer, cuja festa se celebra a 05 de Abril.
No Domingo seguinte procurei elucidar a comunidade de que o Padroeiro de Louredo é São Vicente Mártir e não São Vicente Ferrer (vulgo "Ferreira") e apresentei as seguintes razões para que não houvesse lugar a mais dúvidas:
a) — São Vicente Ferrer ("Ferreira") era natural de Valença, Espanha. Aparece vestido com o hábito dominicano e um sol com as iniciais de Jesus (J.H.S.) na mão. Foi presbítero, isto é, sacerdote pregador, como quase todos os dominicanos, e a sua festa celebra-se, como já foi dito a 05 de Abril.
b) — São Vicente Mártir era natural de Huesca, também Espanha. Aparece vestido de diácono, (não chegou a ser ordenado de presbítero), geralmente com um corvo (que protegeu o seu cadáver de outras aves de rapina), sobre as sagradas escrituras numa das mãos e uma palma (a palma do martírio) na outra; ou então com a palma numa das mãos e uma embarcação na outra; ou ainda com a grelha (sobre a qual foi martirizado) a seus pés; além de outras insígnias alusivas ao seu martírio. Cf. "VIII CENTENÁRIO DA TRASLADAÇÃO DAS RELÍQUIAS DE SÃO VICENTE, 1173-1973, Câmara Municipal de Lisboa, Palácio Pimenta / 3 de Dezembro/1973".
No entanto, e apesar de muitas vezes se ter insistido em Sermões, Homilias, Palestras etc, que é o São Vicente Mártir e não Ferrer, ainda nos nossos dias muitas pessoas continuam a falar na Festa de São Vicente Ferreira.
Lembremos que o São Vicente Ferrer quase não é conhecido em Portugal; e São Vicente Mártir é padroeiro de muitíssimas terras, inclusive da cidade de Lisboa, onde é mais conhecido por São Vicente de Fora, por ter aportado, (segundo reza a tradição), a esta cidade numa embarcação, vindo da Catalunha.
Então quem é o nosso padroeiro? Nasceu em Huesca, Catalunha, Espanha, por volta do ano 270, filho de pais nobres. Foi educado e instruído nas Sagradas Escrituras pelo Bispo Valério, de Saragoza, que ao reconhecer a sua sabedoria e virtudes o ordenou de Diácono e o incumbiu de levar a mensagem de amor, (que Jesus Cristo veio trazer a terra), a toda a Catalunha.
Durante a perseguição de Diocleciano, imperador romano, foi convidado a renegar a sua Fé Cristã. Como não aceitasse o convite do imperador, foi açoitado e atormentado no potro. Continuando bem firme nas suas convicções religiosas, foi estendido sobre uma grelha incandescente; rasgadas as suas carnes com dentes de ferro; queimado com tochas ardentes etc. Resistindo a todos estes tormentos com um semblante de alegria, deitaram-no sobre um leito todo macio para tentar dissuadi-lo. Como a sua Fé se robustecia cada vez mais, recebeu a coroa do martírio pelo ano 304 da nossa era.
Foi lançado a uma fossa e depois ao mar, mas um corvo de proporções gigantescas arrebatou-o às ondas e, segundo a tradição, tê-lo-á deixado sobre uma embarcação que o transportou até Lisboa. (São Vicente de Fora). "
Como se leu, o Pe. Acácio percebeu que apesar de ter travado uma luta constante e duradoura no sentido de catequisar os seus fregueses quanto ao seu patrono, seu nome e origem, admitiu que na actualidade (1967) ainda se fazia essa confusão. A confusão, que ainda se mantém nos nossos dias, resultava, no entanto e apenas, da transição das tradições, usos e costumes, incluindo os testemunhos orais. Assim, esta do S. Vicente de Ferreira em Louredo ainda está para durar.
Como se leu, o Pe. Acácio percebeu que apesar de ter travado uma luta constante e duradoura no sentido de catequisar os seus fregueses quanto ao seu patrono, seu nome e origem, admitiu que na actualidade (1967) ainda se fazia essa confusão. A confusão, que ainda se mantém nos nossos dias, resultava, no entanto e apenas, da transição das tradições, usos e costumes, incluindo os testemunhos orais. Assim, esta do S. Vicente de Ferreira em Louredo ainda está para durar.
Seja como for, no texto que acima se transcreveu da monografia de autoria do Pe. Acácio, é referido pelo próprio que o S. Vicente Ferrer ou Ferreira, é pouco conhecido por cá. Assim é, efectivamente, mas dá-se a curiosidade de tal santo espanhol estar precisamente muito perto de Louredo, nem mais nem menos que na Capela do Viso - Guisande, sendo que, mesmo aqui, pouco conhecido e divulgado como tal. Apenas mais um dos muitos santos e santas de Deus que vão adornando igrejas, capelas e ermidas.
Abaixo fica a imagem do respectivo santo do qual alguém, há tempos, teve a feliz ideia de o passar para uma bonita pagela.
Outra curiosidade, encontrei pela internet uma pintura barroca da escola espanhola de Francisco Ribalta, sem data precisa, mas do séc. XVII, em que aparecem lado a lado estes dois S. Vicentes, o Mártir e o Ferrer, acompanhados de S. Raimundo de Penhaforte, outro santo espanhol. Como se vê, de algum modo estes santos apesar de não serem contemporâneos entre si, encontram-se pela arte e certamente na devoção e oração de muitos devotos.