5 de fevereiro de 2018

S. Brás e Nossa Senhora das Candeias

Decorreu ontem, 4 de Fevereiro, na igreja matriz da freguesia do Vale, a tradicional festividade em honra de S. Brás e Nossa Senhora das Candeias. 
Quase sempre modesta no arraial, até porque em pleno inverno, não raras vezes sob frio e chuva, é, todavia, uma festa de tradição e que chama devotos de todas as freguesias das redondezas. Como muitas outras, no que à tradição e devoção diz respeito, já teve melhores dias, mas mesmo assim continua a ser uma referência nas festividades religiosas no nordeste do concelho de Vila da Feira.

S. Brás (em Latim S. Blasius, em Catalão S. Blai, em Francês S. Blaise, em Espanhol S. Blas), a quem os devotos recorrem para males de garganta, foi um médico e bispo nascido na cidade de Sebaste, ou Sebastia (na actualidade Sivas), na Turquia, numa região da então província romana da Arménia, e que terá vivido entre os séculos III e IV.

Já depois de ter assumido a profissão de médico, sentiu o chamamento de Deus a uma consagração cristã, pelo que terá deixado a sua vida citadina e a sua própria terra indo para os montes, optando por uma modesta vida solitária de oração e de penitência.

A sua fama de santo começou a espalhar-se na comunidade de Sebaste e, quando morreu o bispo daquela cidade, todos o aclamaram como novo pastor. São Brás só aceitou a nova responsabilidade pela forte insistência dos membros da comunidade, porque desejava muito mais a vida retirada de oração e contemplação. Mesmo como bispo continuava a viver numa caverna no monte Argeu, no meio de animais ferozes, com quem convivia, vindo somente à cidade apenas quando as obrigações de pastor o exigiam.

Na altura da perseguição aos cristãos ordenada pelo então Imperador Licinius Lacinianus (308-324), São Brás, conhecido pela sua extrema bondade, santidade e milagres, é preso pelo anticristão Agrícola, que governava a Capadócia e a Arménia, e obrigado a adorar os deuses pagãos. Negou-se São Brás, dizendo: “não quero ser amigo dos vossos deuses, porque não quero arder eternamente com os demónios”. Foi açoitado, posto no ecúleo (cavalete de tortura), submetido aos «garfos» com puas de ferro e lançado a um lago de água gelada, sendo, por fim, degolado. Decorria o ano de 316.

Os seus restos mortais foram recolhidos e sepultados pelos cristãos desse tempo numa humilde igreja na sua cidade,  mas mais tarde trasladadas as suas relíquias para a actual basílica localizada num monte com o seu nome.

O facto, verdadeiro ou lendário de que terá salvo uma criança que agonizava com uma espinha de peixe encravada na garganta, valeu-lhe popularidade e devoção, tornando-se desde então padroeiro das causas de saúde ligadas à garganta. Mas é também associado como protector dos animais e em algumas localidades onde se venera, cumprem-se ritos de bênção dos animais de modo especial de rebanhos.

O dia oficial das sua festividade é o 3 de Fevereiro e o seu culto se expandiu sobretudo a partir do séc. VIII, tanto nos países do oriente como no ocidente, mas também noutras partes do mundo, sobretudo na América latina com o culto a ser levado por espanhóis e portugueses. Até ao século XI S. Brás não entrava no calendário litúrgico romano, mas a partir daí nele começa a constar pela grande devoção que passou a ser-lhe dedicada em Roma, onde se diz terem-lhe sido erigidas trinta e cinco igrejas. Em Portugal é patrono de pelo menos uma dezena de paróquias, sendo que não é patrono da freguesia do Vale, apesar de ali  ser venerado e festejado.

Fotografia de S. Brás na igreja matriz da freguesia do Vale.

Estampa, pagela ou "santinho" com a imagem de S. Brás que se venera na igreja matriz da freguesia do Vale. 
De notar que esta imagem corresponde a uma versão de S. Brás diferente da imagem que está na lateral do altar-mor,  conforme fotografia acima. 
À falta de melhor justificação, e supondo eu ser a imagem da primeira fotografia acima a correspondente à versão principal do S. Brás na freguesia do Vale, este mais imponente e barbudo, nunca percebi esta situação da pagela ou "santinho" disponível em dia de festa reproduzir uma outra versão. Será esta a imagem da estampa a mais antiga e original? Se sim, porque não está ela no altar? Se não, porque se teima em distribuir uma representação secundária? É certo que independentemente da configuração da imagem sabemos que ambas representam o S. Brás, mas parece-me uma falta de coerência identificativa e até de cultura patrimonial que, infelizmente, se verifica em muitas paróquias e festividades no que ao "santinho" diz respeito. Recorde-se que há alguns, poucos, anos,  uma Comissão da Festa do Viso também caiu neste erro ao mandar estampar um "santinho" do Santo António que nada tinha a ver com as versões do santo existente, quer na capela, quer na igreja.
Também em Louredo, não neste ano, mas em anos anteriores, a estampa disponibilizada representa um S. Vicente que não o principal que se encontra no altar-mor.



Acima, três variantes de pagelas ou "santinhos" clássicos com a representação da cena  referentes a S. Brás e ao milagre da remoção da espinha de peixe da garganta de uma criança apresentada ao santo pela sua aflita mãe. Esta cena faz parte indissociável do folclore religioso relacionado à veneração deste santo mártir.


Pagela com a imagem de Nossa Senhora das Candeias que se venera na igreja matriz da freguesia do Vale.

Quanto a Nossa Senhora das Candeias, cuja festividade ocorre na freguesia do Vale em simultâneo com a de S. Brás, é também invocada como Nossa Senhora da Luz, ou Nossa Senhora da Candelária, ou Nossa Senhora da Apresentação ou ainda Nossa Senhora da Purificação. Embora com o culto expandido em muitos países, incluindo Portugal e Brasil, há referência de que o mesmo terá surgido nas Ilhas Canárias - Espanha onde  terá aparecido numa praia na ilha de Tenerife, pelo ano de 1400. Os nativos guanches da ilha teriam ficado com medo e tentado atacá-la, mas suas mãos teriam ficado paralisadas. A imagem teria sido guardada em uma caverna, onde, séculos mais tarde, foi construído o Templo e Basílica Real da Candelária (em Candelária). Mais tarde, a devoção se espalhou pela América. É assim a santa padroeira das Ilhas Canárias, sob a invocação de Nossa Senhora da Candelária.

A origem da Senhora da Luz tem as suas origens na festa da apresentação do Menino Jesus no Templo de Jerusalém e da purificação de Nossa Senhora, quarenta dias após o nascimento de Cristo (sendo celebrada, portanto, no dia 2 de Fevereiro). 

De acordo com a lei mosaica (de Moisés), as parturientes, após darem à luz, ficavam consideradas como impuras, devendo por isso inibir-se de visitar o Templo de Jerusalém até quarenta dias após o parto; após esse tempo, deviam apresentar-se diante do sumo-sacerdote a fim de apresentar o seu sacrifício (um cordeiro e duas pombas ou duas rolas) e, assim, purificar-se. Desta forma, São José e a Santíssima Virgem Maria apresentaram-se diante de Simeão para cumprir o seu dever. Este, depois de lhes ter revelado maravilhas acerca do filho que ali lhe traziam, ter-lhes-ia proferido a Profecia de Simeão: «Agora, Senhor, deixa partir o vosso servo em paz, conforme a Vossa Palavra. Pois os meus olhos viram a Vossa salvação que preparastes diante dos olhos das nações: Luz para aclarar os gentios e glória de Israel, vosso povo» (Lucas 2:29-33).

Com base na festa da apresentação de Jesus/purificação da Virgem, nasceu a festa de Nossa Senhora da Purificação; do cântico de São Simeão (conhecido pelas suas primeiras palavras em latim: o Nunc dimittis), que promete que Jesus será a luz que irá aclarar os gentios, nasce o culto em torno de Nossa Senhora da Luz/das Candeias/da Candelária, cujas festas eram, geralmente, celebradas com uma procissão de velas, a relembrar o facto.