Faleceu Julião Tomar. Tinha 95 anos. De origens modestas, filho de um pai carpinteiro e de uma mãe lavradeira, era o mais velho de onze irmãos. Ainda iniciou a escola primária mas bem antes do exame da quarta classe já tinha sido instalado como aprendiz de trolha de um tio paterno. Assim, muito cedo começou a ter contacto com o cimento, areia, cal e azulejos. Logo depois de amargar na tropa, onde lhe aproveitaram os dons de trolharia para conservar tudo o que era paiol e camarata, abalou até terras de França onde com muitas dificuldades lá arranjou trabalho na construção civil. Depois, casou, teve filhos, netos e bisnetos. Com a idade da reforma regressou à sua aldeia, em terras transmontanas e continuou a ser um comum cidadão, um português como milhões de outros.
Em face da importância deste português comum, o Governo mandou cumprir três dias de luto nacional e a Junta da aldeia vai erguer-lhe um busto na praça central. De todos os quadrantes da sociedade local e nacional, são inúmeros os testemunhos quanto à importância deste português comum pelo seu contributo para a sociedade portuguesa. Foi um mestre da argamassa e do assentamento de azulejos, sempre à frente do seu tempo, inovador quanto baste, sem renegar o conservadorismo da arte da trolharia e no uso da colher e talocha. Para além disso, destaque pela sua luta contra o regime do Estado Novo, principalmente quando viu um seu painel de azulejos com estrelas vermelhas, martelos e foices, removido da casa de banho de uma escola da freguesia por ser considerado subversivo, por fugir aos tradicionais padrões de flores e passarinhos.
É bom ser-se um português comum.