É mais ou menos famoso o azulejo que neste belo painel da nossa igreja matriz (Guisande) está trocado, melhor dizendo, no sítio certo mas com uma rotação errada (90 graus no sentido oposto ao movimento dos ponteiros de um relógio).
Ficará sempre a dúvida se tal erro foi distracção e erro involuntário do trolha ou se propositado para testar o sentido de observação. O saudoso Pe. Francisco usava este painel para pôr à prova algumas contradições humanas de alguns dos seus fregueses, perguntando-lhes se neste painel era a parte ou o todo que estava mal (sim, porque há soldados que ante o seu solitário desacerto, insistem que a restante companhia é que vai desacertada no passo).
Também como desafio ao sentido de percepção de quem para ela olhava, mas nunca, pelo menos a mim, revelou se o azulejo foi rodado por distracção do assentador, se a seu mando. Em todo o caso, o seu sorriso deixou sempre algumas suspeitas.
Seja como for, também na vida somos assim uma espécie de painel de azulejos, à primeira vista com todos os ladrilhos no sítio, bem assentes, polidos, certinhos e direitinhos, mas em rigor, observando não o todo mas cada um dos aspectos da nossa personalidade, lá está o nosso azulejo trocado, fora do sítio, rodado ou invertido. O nosso mais disfarçado vício, pecado ou defeito ali escancarado sem que quase ninguém o perceba. Seja apenas um ladrilho de um painel de 42 deles e menos mal, que o desacerto passará quase despercebido. Pior é, todavia, quando o painel está todo baralhado e com todas peças fora do sítio. Aí a figura será desorganizada como algo abstracto.
Não surpreende, pois, que ande por aí muito artista com as peças fora do sítio, com os parafusos, dirão alguns, com os azulejos, dirão outros.