Morreu a Lira. Neste Domingo de Março, quando na cerejeira já despontam as flores de uma primavera anunciada.
Jaz próximo da Chica, na cova onde um azevinho tão teimoso quanto viçoso também decidiu morrer e emprestar-lhe a sepultura. Em breve estará coberta de cidreira e erva-de-s. roberto e a laranjeira vai-lhe fazer sombra nos quentes dias de Verão.
Uma gata branca, a Lira, que não era da casa mas andava por casa como se fosse a sua, porque a sua, onde chegou a ter dono, nunca encontrou poiso porque também não via qualquer migalha de comida muito menos um afago.
Na casa que não a sua, nunca lhe faltou comida sempre que se aproximava da porta. Mesmo assim aquela presença insistente, era como se fosse da casa, não sendo.
Ainda ontem, sábado, comeu sôfrega um naco de comida húmida, destinada a um seu filho que, à hora marcada ainda não tinha aparecido.
Há uns dias que se adivinhavam os dias finais, porque magra e suja, já sem capacidade da auto-limpeza, tão características destes felinos.
Hoje de manhã estava à porta, numa nítida prostração que já não lhe permitiu comer nem beber. Foi colocada numa caixa quente, coberta, em local abrigado, para pelo menos morrer com dignidade e com um último afago, que em vida não teve muitos, ou mesmo nenhuns.
Mas morreu essencialmente de velhice porque andava por cá há uma quase eternidade e foi mãe de ninhadas a perder de conta, avó de netos e raiz de netos de netos.
Cumpriu o seu destino, a Lira, digna até ao fim, bem ao contrário de muita gente.
Foi merecida a lágrima teimosa.