25 de outubro de 2020

516 metros de inutilidade

 

Era uma vez um político prometedor. Prometedor não quanto à sua carreira mas porque era mesmo bom a fazer promessas. 

Em certa campanha para as eleições na aldeia, reunidos os aldeões, fez saber que "- Se eu for eleito mando caiar a capelinha de Santa Ana!" . Mas aldeões olhando-se entre si, responderem: "- Mas nós não temos nenhuma capelinha de Santa Ana! Temos a de Santa Bárbara e não precisa de ser caiada porque é em pedra!". O político não esmoreceu e ripostou: "- Pois então, mandarei fazer uma capelinha para Santa Ana e com um anexo para o S. Joaquim. Os avós de Jesus não são menos importantes que Santa Bárbara!". O povo lá encolheu os ombros e disse entre si: "-Bem mais uma capela não faz mal e dará para outra festa com foguetes!".

O político prometedor lá continuou a desfiar promessas como quem reza um rosário, tudo coisas que o povo considerava inúteis. Por fim prometeu: "- Se eu for eleito, mandarei construir uma ponte sobre o vosso rio Tronchuda!" - O povo novamente ficou surpreendido e respondeu que  "- Nós cá na aldeia não temos nenhum rio, muito menos com nome de couve!" - O político lá remediou o desconhecimento: "- Pois então, mandarei fazer um rio!.

Conclusão: Passe a ironia, há políticos um pouco assim, não só prometedores e com a mania das grandezas mas acima de tudo desconhecedores das realidades e verdadeiras necessidades locais.

Vem isto um pouco a propósito da já popular ponte suspensa sobre o rio Paiva em Alvarenga - Arouca. Em rigor tal ponte não corresponde a nenhuma necessidade objectiva e como tal dispensava-se. E quem conhece Arouca e suas freguesias, apesar de um desenvolvimento interessante ainda padece de muitas necessidades, nomeadamente em aldeias isoladas. De resto, os especialistas dizem que já por si só os passadiços representam um impacto negativo sobre a galeria do rio Paiva na zona onde se desenvolve. É certo que foram impostas algumas limitações de acesso, mas no geral a coisa continua como uma feira ou romaria à Senhora da Agonia.

É certo, ainda, que há o outro lado da moeda, o impacto de visitantes e o crescimento de alguma economia local, porque em torno desse afluxo de visitantes, criaram-se algumas oportunidades de negócio, os restaurantes servem mais bifes e batatas fritas e o alojamento local verifica um acréscimo. Quanto a isso reconheça-se a coisa.

A ponte, designada de "516 Arouca", pelo seu comprimento, é já considerada a mais extensa do mundo no seu género de suspensa e entretanto será inaugurada. Não temos dúvidas que, sobretudo quando passar a pandemia, terá um novo impacto de visitantes e com isso um crescimento  não só dos aspectos positivos como dos negativos.

Nestas coisas, o ideal é procurar soluções equilibradas que de algum modo tenham em conta as necessidades, tanto de preservar o eco-sistema do rio e sua galeria como também fazer disso uma mais valia para a economia local. Mas, apesar do entusiasmo de muitos, e será a maioria, não nos parece que a ponte fosse mesmo necessária e dispensava-se. Com ela o tal equilíbrio mais ou menos adequado, fica posto em causa. Pode-se argumentar o que se quiser, e nisso os autarcas são bons, mas a ponte era dispensável. Assim reforça-se de forma artificial o fluxo e o impacto de visitantes. Se a coisa não abrandar, daqui a uns tempos monta-se ali um parque de diversões ou um parque temático à volta dos bifes de arouquesa. E o problema é que, à imagem do que aconteceu com os passadiços, a coisa tende a gerar um seguidismo nacional e não tarda que daqui a nada se comecem a erigir pontes em tudo quanto é garganta e desfiladeiro de rio. E o que não faltam são lugares bonitos e adequados para isso. 


Não havia, pois, necessidade de mandar fazer mais uma capela e pôr lá uma peanha com mais um ou dois santos, mas que a coisa dará festa rija, dará, porque seja em capelas ou pontes, o povo gosta é de farra e de experiências.

De resto, para se ver a bela cascata das Aguieiras, bastaria fazer o percurso a pé. Pessoalmente já lá estive com alguns amigos há cerca de 10 anos, bebendo umas minis com os pés na fresca água da ribeira que ali se despenha para o Paiva. Que é bonito e deslumbrante, é.

Enquanto houver políticos visionários, tudo é possível. De resto a ponte, por mais atributos e adjectivos que lhe imponham, não é novidade e parece-nos mais uma chinesice, um divertimento e um teste às vertigens. O Youtube está cheio dessas coisas.

Mas, deixemos o pessimismo de lado, porque, quer se queira quer não, por mais comichão que a coisa faça aos ecologistas e amigos do Paiva,  no final, vencerá sempre o apelo do dinheirinho. Já tratar da qualidade da água do rio e dos pecados ao longo do seu eco-sistema, estamos conversados. O rio passa lá em baixo e se se queixa, ninguém ouve no cimo da ponte.