De um modo geral, falámos mal e escrevemos pior, ou seja, sem papas na língua, maltratamos a nossa língua. A de Camões, a de Eça, a de Pessoa, etc. E não se pense que este é um problema de gerações, entre os que têm a velhinha quarta classe, ou nem isso, e os que têm já mais tempo passado nas escolas do que fora delas, incluindo muitos dos nossos licenciados. De resto a velhinha quarta classe bem que poderia ser actualmente equiparada ou mesmo superior ao grau de conhecimento supostamente adquiridos com um 9º ano. Porque passei por ela, não tenho nenhumas dúvidas disso. Por outro lado temos visto que as exigências curriculares estão muito infantilizadas, pouco exigentes e os malabarismos das tutelas são mais que muitos em nome do alcançar metas e objectivos de aprovações, em que retenções, este um moderno eufemismo para reprovações, são coisas a evitar, dê por onde der, a não ser, claro, que se falte à disciplina dessa coisa moderna chamada Cidadania e Desenvolvimento, em que se moldam os modernos e politicamente correctos conceitos de posicionamento na sociedade. Será daí, porventura, onde saem burocratas que querem que o termo "natalício" se substitua por "festividade", como se uma tradição de ligações intrinsecamente de uma religião, seja um chapéu que convém caber em todas as cabeças, como se não exista a liberdade e opção de usar e gostar, ou não, de chapéus. Parece que chamam a isso inclusão. Adiante!
Continuando (e aqui devo ter metido a pata na poça porque parece que os puristas recomendam que não se comece um parágrafo com um gerúndio), falamos mal e escrevemos pior porque na realidade não praticamos nem exercitamos de forma continuada e proactiva. E se quanto ao falar, a isso somos obrigados, nem que seja para pedir pão na padaria e carapaus na peixaria, já o escrever, nem por isso. Mesmo que o analfabetismo seja apenas residual nas gerações mais idosas, por motivos compreensíveis, a verdade é que é substancial o analfabetismo funcional no que se refere à escrita, mas não só. Para além de dificuldades de oralidade e escrita, há a somar muita incapacidade de ouvir e de perceber o que se diz e escreve.
Acontece que a proliferaçao e generalização das redes sociais e das mensagens de texto vieram de algum modo obrigar-nos a recorrer à escrita, e aí é que a porca tem torcido o rabo porque, expostos, os maus exemplos de mal escrever são mais que muitos, mesmo que em textos curtos, muitas vezes numa simples frase. Mas ninguém sente pudor por isso, quanto menos vergonha, a ponto de se auto-instruir e melhorar. Siga!
Claro que podem dizer que mesmo escrevendo mal se fazem entender, ou que escrevem mal porque os dedos, finos ou grossos não tocam nas letras certas do ecrã do telemóvel, mas isso não desresponsabiliza quem reiteradamente escreve mal e porcamente e dá testemunho disso, não com pudor mas até com um certo orgulho espertalhão como se o escrever mal seja uma naturalidade e com a desculpa de que "...para o que é serve". De resto, uma gralha, a falha de uma ou outra vogal, é perceptível, mas como desculpa do mau escrever, não pega de todo. Mas lá vamos rindo e cantando usando abreviaturas e onamatopeias e emojis, dando chutos no cu das pontuações, como se vírgulas e pontos sejam coisas de somenos importância na nossa língua.
Assim, quem escreve mal, de um modo geral não procura instruir-se, voltar a pegar nos livros de gramática e aumentar o seu vocabulário. Em suma, ler e escrever mais, não apenas curtas frases mas textos com algum significado e estrutura. É a ler, boa literatura, e a escrever, que melhor se pode falar e bem escrever.
Há estudos que referem que em Portugal mais de 60% da população não lê um único livro durante cada ano, quando muito vai lendo as "gordas" dos jornais ou dos roda-pés dos noticiários televisivos, estes nem sempre bons professores porque tantas vezes com erros e gralhas. Por aqui percebe-se muito do estado das coisas a que chegamos.
Assim, ainda de um modo geral, mesmo entre os nossos "amigos" das redes sociais, são raros aqueles que se aventuram a publicar textos, opiniões, ideias ou pensamentos com mais que duas ou três linhas. Temos, pois, uma comunidade que escreve apenas de forma reactiva e raramente activa. Para esses os donos das redes sociais até criaram os tais botões de likes e emojis para com um simples boneco se poder expressar sentimentos e reacções. Somos, definitivamente, reactivos. E percebe-se o porquê de uma grande parte dos utilizadores recorrerem aos ditos memes e partilha de catrefadas de textos e mensagens em vez de os produzirem de sua própria autoria.
Não surpreende que neste contexto a malta da escrita, os opinion makers quase não se encontrem pelas redes sociais, nomeadamente no Facebook. Mesmo em outras contas que frequento, esses autores são raridades e invariavelmente ao fim de algum tempo ausentam-se porque sentem que estão a ser chuva no chão molhado, deslocados como um adepto rival no meio da bancada do clube da casa. Quem os quiser ler e seguir tem que ir aos seus próprios espaços, como blogs ou em artigos de jornais online. Não nas redes sociais. Mas, verdade seja dita, quem os segue ou procura ler, não é quem fala e escreve mal. Esses gostam, no geral, de coisas curtas, divertidas, frases feitas, nada de muito substancial, e num repente um simples "peido" colhe centenas de likes enquanto que um interessante artigo passa ignorado. Não falo por mim, porque sei do que a casa gasta, mas é mesmo assim num sentido geral. É, afinal de contas, a cultura da banalização, se quisermos, da vulgaridade exponenciada.
Em suma, frequentar as redes sociais pode ser interessante para manifestarmos os nossos egos, exibir as nossas habilidades, os nossos recordes nas corridas, mostrar o que comemos, o que vestimos, o desporto que praticamos, os sítios que visitamos, expondo-nos, a nós e aos nossos, mais do que na justa medida, mas em rigor pouco aprendemos sob um ponto de vista de partilha de ideias e raramente damos valor a quem as expressa de forma estruturada, mesmo que não concordemos com elas. E desse modo não deixa de ser paradoxal que em ferramentas capacitadas ou ideais para isso, as usemos de forma desadequada, quase em sentido contrário, um pouco como usar uma motosserra para cortar cabelo ou luvas de boxe para segurar agulhas.
Mas, como diria alguém, é a vida, e na diversidade é que está a riqueza, mesmo que o nivelamento, pelo que se vê, se vá fazendo por baixo.
Este é apenas um ponto de vista muito pessoal, susceptível de contraditório. Não é, pois, uma homilia, mas, todavia, como remata o padre no fim dela, "- Que assim seja!".