13 de março de 2022

A cabidela e o destino


Entre muitas outras definições, a enciclopédia livre, conhecida como a Wikipédia, diz-nos que " O destino é geralmente concebido como uma sucessão inevitável de acontecimentos relacionada a uma possível ordem cósmica. Portanto, segundo essa concepção, o destino conduz a vida de acordo com uma ordem natural, segundo a qual nada do que existe pode escapar".

Assim, sem grandes empirismos, o destino é o desfecho das coisas e das pessoas. Por mais voltas que demos à nossa vida, todo o desfecho dela é um destino. Em resumo, o destino é uma fatalidade, uma inevitabilidade. Como um buraco negro na astronomia, não há como fugir a ele, nem que luz fôssemos, porque a sua condicionalidade é impossível.

Em todo o caso, a forma como vemos ou interpretamos o destino e as coisas que para ele concorrem, é no fundo um mistério insondável, mesmo que o seu desfecho ocorra por decisões próprias, nossas, individuais.

Assim, sendo certo certo que todos os nossos actos, concorrem necessariamente para o nosso destino, também é verdade que por vezes, porventura muitas, também decidimos o destino dos outros.

Vejamos um caso tão paradigmático quanto real: A D. Brilhantina (e já é abusar do destino dar a uma filha tal nome) decidiu prendar os filhos, noras e genros, com um fausto arroz de cabidela e vai daí, agarrou pelo pescoço do galo maior da capoeira, daqueles com espigões nas patas maiores que navalhas, e num ápice e sem qualquer estremecimento, sangrou-o para a tijela imaculada como numa oferenda bíblica. Mas, coisas do destino, a Brilhantina foi pouco brilhante de tanta rudeza no apertar do gaulês que este estremeceu como se ainda a anunciar a derradeira aurora, e nesse esbracejar alado lá se foi para o caneco, em cacos, o pequeno alguidar e com ele a vitalidade líquida ali sangrada.

Mas, o destino tem destas coisas e o que não tem remédio, remediado está, e o segundo galo na hierarquia da capoeira, que já se preparava para usufruir dos prazeres de tão vasto harém, viu-se logo destronado, agarrado pela manápula dura da Brilhantina e pouco depois o seu sangue já estava reservado para a cabidela. 

Há destinos assim, que se escrevem num instante, como num fogacho de palha seca, que tudo transforma e que não permitiu que o reinado de um galo durasse mais que um golpe de faca afiada.