25 de julho de 2022

Quando o menos é mais





Quase sempre avaliamos a importância das nossas festas e romarias populares  pela sua dimensão, pelo seu aparato e importância dos cabeças do cartaz musical ou de entretenimento e, deste, pelo orçamento. 

Temos, assim, grandes festas, não só as de projecção nacional, como a Senhora da Agonia, em Viana do Castelo, S. Mateus em Viseu, Feiras Novas de Ponte de Lima, S. João no Porto, Santo António em Lisboa, Festa das Cruzes, em Barcelos, dos Tabuleiros, em Tomar, o Senhor de Matosinhos, etc, etc.

Mesmo por perto, temos grandes festas de tradição como as Colheitas pelo S. Miguel em Arouca, Senhora da Saúde em Vale de Cambra e e em Pedroso, Vila Nova de Gaia, Santa Eufêmia, em Paraíso, Castelo de Paiva e S. Domingos, na Raiva,  ainda em Castelo de Paiva.

Também no nosso concelho temos grandes festas como a das Fogaceiras a S. Sebastião e, bem mais perto, a da Senhora da Piedade, em Canedo, mas, naturalmente, outras mais.

Apesar disso, quase todas têm como sua génese a religiosidade e devoção inerentes às figuras dos santos ou de Santa Maria nas suas diferentes invocações.

Certo é que, parece-me, quanto maior a dimensão, projecção e espalhatafosidade dos cartazes musicais e de entretenimento, menor a alma e o respeito pela verdadeira essência. Se quisermos, como se fosse uma partida de futebol, a parte profana e popular dá sempre uma cabazada à parte religiosa, da fé, da espiritualidade. É uma luta desproporcional. E de pouco serve que a procissão solene tenha dez, vinte ou trinta andores enfeitados a peso de ouro, com flores exôticas importadas, e que atrás dela marchem a toque de caixa duas bandas filarmónicas e na frente o pandemónio dos bombos e toques militares pelos clarins na fanfarra.

Neste contexto, pelo menos para mim, e estou certo que para muitos mais, nem sempre a grandes festas corresponde uma grande alma. A devoção e fé de muitos até podem estar e andar por ali, mas são engolidas pela voracidade da parte profana, do entretenimento, da música, da diversão, do barulho, do ruído. Os divertimentos, as tendas, os negócios, as barracas de comes-e-bebes, etc. E não surpreende, por isso, que a larga maioria dos visitantes de uma festa popular nem sequer se abeirem da porta da igreja, da capela ou da ermida, quanto mais nelas entrarem e deixarem uma esmola. Entre uma saudação ou oração à Senhora da Piedade ou arranjar lugar na primeira fila para ver a Rosita, a que apanha no pacote, para muitos não parece haver dúvidas quanto à opção.

Estes sentimentos que experienciamos ou vivemos, a de uma festa rija, imponente, barulhenta, com um cartaz de arromba, ou uma festa simples, humilde, em que nela participam pouco mais que os moradores do lugar ou da freguesia, são de facto diferentes, porque em cenários e contextos desiguais, mas não tenho qualquer dúvida de que a essência da devoção, dedicação, sentimentos de identidade e pertença, são bem mais sentidos e sensíveis numa pequena festa, muitas vezes sem orçamento para uma banda filarmónica, quanto mais para um Canário ou uma Rosita. Nada disso! Por ali vale o amor, a fé, a simplicidade, a partilha e convívio fraternais. 

Foi o que, de algum modo, senti ontem, na festa de S. Tiago, em Vila Nova Romariz, mesmo com a procissão a percorrer uma estrada em reles condições que a poderiam colocar na condição de caminho de cabras, ou mesmo que o espaço envolvente ao pequeno mas maneirinho arraial ainda estivesse em gravilha e sem pavimentação. Mas senti que toda aquela gente vivia a sua festa com alma, com sentimento. E quem viesse como forasteiro, como eu, ficaria contagiado por aquela honestidade. A mesma percepção sentida, uns momentos antes, ainda noutra festa dedicada ao mesmo santo apóstolo, em Chave, Arouca, em que num palco pequenino, a Banda de Santa Cruz de Alvarenga entretinha a assistência até que chegassa a hora da missa e depois a procissão. 

Numa trilogia festeira, ainda passei por S. Tiago de Lobão mas os santos nos muitos andores já estavam no sossego e fresquinho da ampla igreja matriz. Apesar de grande a freguesia, o seu padroeiro teve uma festa simples quanto baste e por isso certamente com devoção e alma. De resto, que S. Tiago, o de Lobão, que até é o mesmo de Chave e de Romariz, não fique triste, porque também em Guisande o Mamede, seu padroeiro, tem uma festa bem bonita e sentida apenas na forma de uma missa, sem grande solenidade e num dia em que a maioria dos paroquianos está a banhos. Pouco importa a imponência das festas e se no arraial vêm actuar o Quim Barreiros ou o Tony Carreira. Importa a alma!

Por conseguinte, esta nossa mania de vermos nas festas populares das freguesias apenas uma espécie de Rock in Rio, Marés Vivas ou outros que tais festivais musicais, não ajuda em nada. 

Mas neste jogo, já são poucos os que dão importância à coisa, e seja nas grandes festas, como nas médias ou pequenas, a religiosidade, a fé e devoção, já são apenas pretextos e tudo o resto gira em torno do divertimento, da farra e do aparato. 

Assim, nesta larga medida, as festas, como a de Canedo, sem desmerecimento e apenas e só como exemplo, enchem-nos as medidas das calças do profano, porque há ali de tudo, num orgasmo de movimento e barulho, com pistas, carrocéis, e musicalmente desde bandas filarmónicas a rositas e canários até a artistas emergentes laureados pelos concursos televisivos decididos a chamadas telefónicas. E pimbas, pois claro! Que seria de uma festa sem a ligeireza da brejeirice dos pimbas. Até mesmo, na nossa festa, os The Fucking Bastards, com um nome pouco católico, vêm compor o ramalhete no entretenimento, no  fun! A malta, sobretudo a mais nova, quer é fun! Os outros, os mais velhos, os que por regra  pagam a festa, esses já pouco se importam. Já viveram demasiado e não estão para gastar energias a  reclamarem um rancho minhoto ou uma Banda dos Mineiros do Pejão! Siga!

Haja festa e que S. Tiago e toda a malta santificada nos perdoe!