9 de agosto de 2022

A capela do Viso e outras memórias


Costumo dizer que, até ter casado, eu não ia à Festa do Viso; eu estava na Festa do Viso, já que ali nasci e cresci, mesmo encostadinho à capela e ao arraial. Por conseguinte, são muitas e remotas as memórias ligadas à festa, àquele bonito lugar e aos pormenores e singularidades de outros tempos, que naturalmente foram mudando com o correr dos anos. A própria fotografia, acima, de 1969, evidencia algumas coisas mudadas, sobretudo as árvores, as acácias, que já desapareceram.

A capela, é certo, continua imutável no mesmo sítio, desde que foi edificada por 1869, mas também ela foi sofrendo obras, sobretudo de conservação, umas mais ligeiras, outras mais profundas. Estas, as mais significativas, do que tenho memória ocorrerem em 1969, à passagem do centenário da edificação, com obras de decoração interiores, de trolharia, carpintaria, pintura e douramento os altares, requalificação do tecto e aplicação de azulejo na fachada principal incluindo o revestimento da fachada princiapl com azulejos em tom creme e integrando painéis das figuras da Senhora da Boa Fortuna e de Santo António, e ainda a construção do arco sineiro. 

Mas também, quanto a obras profundas, mesmo estruturais, mais tarde, em 2003, foi feita a requalificação ou mesmo substituição total da cobertura e destapamento do pavimento em soalho ficando com o interessante pavimento original em lajes de pedra do Monte de Mó. Ainda a reformulação do coro e construção de escada interior, facilitando o serviço. De registar melhoramentos como a instalação de bancos, a colocação do relógio com amplificação, etc.

Depois disso foram sendo dadas umas pinturas ligeiras, ainda o levantamento do arco sineiro para acomodar o automatismo dos toques, mas o certo é que neste momento a capela está de novo a precisar de obras de conservação, sobretudo ao nível das vedações na cobertura e nos rebocos interiores, que se apresentam vergonhosamente em mau estado e aspecto.

Para além das intervenções na capela propriamente ditas, ao longo dos anos, também a sua envolvente foi sendo mexida, com a realização de passeio cimentado e uma parte em calçada de pedrinha de calcário e basalto, mas certo é que ainda continua sem dispor de uma envolvência requalificada com uniformidade e dignidade. É um caminho que falta percorrer.

Ate mesmo o próprio monte ou arraial, depois das obras de transformação durante os anos 90 e seguintes, continua ainda a carecer de melhoramentos. A calçada frontal à capela e guias delimitadoras estão em mau estado, sobretudo decorrente do crescimento das árvores e respectivas raízes. Ainda o parque de merendas que continua bruto e com desorganização de árvores e arbustos. Enfim, não faltam motivos e pretextos para realizar obras de requalificação e melhoramentos. Haja o que não tem havido, vontade e dinheiro.

Ainda sobre a capela, sua construção e obras que foram sendo feitas ao longo da sua existência, não há nada de documental ou escrito sobre isso e que o possa comprovar, mas por uma série de indícios, acredito que é possível que a parte onde se desenvolve a sacristia, do lado, poente, foi um acrescento à configuração original, por isso acrescentada passados uns anos. Assenta esta minha hipótese pelo facto deste elemento ter molduras dos vãos exteriores com diferenças notórias bem como ainda a sua cobertura original ser formada por laje em cimento ao passo que os dois corpos principais da capela, a nave principal e a capela-mor foram realizados com estrutura em madeira. Por outro lado este elemento parece não respeitar a configuração simétrica dos corpos principais.

Importa também acrescentar que há outros elementos que não foram edificados aquando da construção original. Por exemplo, o púlpito, integrado do lado norte, tem a data de 1907, o que comprova que foi acrescentado passados trinta e oito anos da data original que foi em 1869, esta inscrita sob o arco-cruzeiro.

Também a sineta, como já falamos por aqui, originalmente não estava na posição onde agora se encontra. A sinete foi moldada e instalada no ano de 1874, por isso volvidos cinco anos da construção da capela. E foi instalada sensivelmente a meio do telhado, sendo accionada manualmente por  um sistema de arames a partir da parte da sacristia que dá apoio à Comissão de Festas. Apenas aquando das obras de 1969 é que foi construído o actual arco encimado por uma cruz e onde foi então mudada a sineta e, numa opção lamentável, foi pintada num tom vermelho carmim, no que lhe retirou qualidade na vibração, por isso com um toque choco. Ainda mais tarde, em 2016, esse arco foi levantado  de modo a que fosse instalado o sistema de toque mecânico.

Já pelos anos 70, ao arco sineiro foram afixadas umas três cornetas (altifalantes) para propagar o toque do relógio então instalado na sacristia, o qual ainda hoje funciona. Actualmente já não fará sentido o funcionamento e a função de tal relógio, que bate a cada quarto de hora, bem como as cornetas que são apêndices que desfeiam o arco sineiro, mas por lá vão estando.

Foi pena que nas obras posteriores, nomeadamente em 2003 quando se procedeu à reformulação da estrutura da cobertura e reconstrução do coro, não se tivesse desmontado este sistema ou pelo menos mudado as cornetas para um local com menos impacto visual, eventualmente na zona mais central da cobertura. Em todo o caso, como se disse, este relógio sonoro toca a cada quarto de hora e é ouvido em quase toda a freguesia, dependendo da direcção do vento e já há muitos anos que é companhia de quem vive a contar as horas.



Sineta com a data de 1874 e as iniciais NSBF - G (Nossa Senhora da Boa Fortuna - Guisande)



Sineta com o sistema de accionamento mecanizado



Foto com a sineta pintada (obras de 1969)


Aspecto da capela aquando do início das obras de 2003



Aspecto da capela (vista nascente) depois das obras de 2003