É por demais conhecida a parte do poema "Autopsicografia" em que Fernando Pessoa diz que:
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Ora este fingimento em Pessoa, que lhe é reconhecido, é mesmo para levar a sério. Senão vejamos: Desde logo o recurso aos seus heterónimos como Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares, em que cada um é uma personalidade própria.
Depois, para lá de tudo, da poética e da linguagem, um exemplo concreto desse fingimento, e dele a contradição descarada e comprovada: Como Bernardo Soares, no "Livro do Desassossego", diz que:
"Porque é bela a arte? Porque é inútil. Porque é feia a vida? Porque é toda fins, propósitos e intenções."
O mesmo Pessoa, in "Ideias Estéticas da Arte", diz que:
"Só a arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes- tudo isso passa. Só a arte fica, por isso só a arte se vê, porque dura."
Ou seja, resumindo o fingimento, Fernando Pessoa, dá uma no cravo e outra na ferradura. Vê e julga a arte com a mesma desenvoltura e contradição filosóficas, considerando-a agora "útil", e logo como "inútil".
Pessoa julga bem. O jogo de palavras, ideias, metáforas, sentimentos, analogias, etc, etc, não tem que brotar do real sentimento do poeta nem da sua coerência. Se assim fosse, era um desgraçado à deriva num mar revolto em constante turbilhão de sentimentos e emoções.
Fingir, pois, é preciso!