Não sou muito, ou até mesmo nada, de realitys shows na televisão. Mas de quando em vez vejo com agrado o documentário observacional que passa no canal Odisseia, "Uma quinta, 9 filhos e 1000 ovelhas", no original "Our Yorkshire Farm".
A série acompanhou durante 5 anos o dia-a-dia de uma família proprietária de uma quinta (Ravenseat) com um enorme rebanho de ovelhas, localizada nas típicas chanercas inglesas na região de Yorkshire.
Para além da já por si interessante história da família, em que Amanda Owen, aos 19 anos deixa uma vida tranquila e confortável de modelo, na cidade, e decide como opção de vida dedicar-se a ser pastora e com ligação à terra.
Com 21 conheceu e casou em 2000 com Clive, um criador de ovelhas, com 42 anos. De lá para cá a família cresceu e tem 9 filhos, a mais velha a entrar na universidade em Biomedicina e a a mais nova de tenra idade. A acrescentar aos 9 filhos com Amanda, Clive tem mais dois, da sua primeira esposa.
Para além de tudo, do género televisivo, da sua exposição pública, que lhes confere inconvenientes mas também mediatismo e popularidade e dela receita e proventos, desde logo em venda de produtos da quinta, livros publicados e outros artigos de marketings, etc, percebe-se que ali há de facto uma família concreta no conceito clássico do termo. Mas simultaneamnete uma família normal sujeita a diferentes momentos e tensões.
Diferentes idades, entreajuda, com os mais velhos a olharem pelos mais novos, momentos de brincadeira e contacto com a natureza, com a terra e os animais, a aprendizagem, o enfrentar das realidades e o ultrapassar dificuldades, sempre com o trabalho como base. Em suma, a conquista da autonomia, da independência na vida tal qual ela é, o que é raro nos dias que correm.
A par disso, naturalmente que com todas as exigências educativas. Os filhos do casal frequentam a escola, mesmo que percorrendo longas distâncias diariamente por estradas sinuosas e estreitas até à cidade mais próxima.
Vê-se que o dia-a-dia é duro, trabalhoso, incerto e inconstante como todos os trabalho ou actividades relacionadas à agricultura e pecuária, tanto mais naquela região, muito sujeita à inconstância e particularidades do tempo, habitualmente chuvoso, frio e nevoso no Inverno.
Mas de tudo, ressalta a naturalidade como aquelas crianças se relacionam em família, aos pais e irmãos, à quinta, à terra, à natureza e aos animais. Sem descontrolo, sem excessiva protecção. A valorização do trabalho na ajuda aos pais. Um bom testemunho como crescem e se educam mulheres e homens a sério capazes de cedo serem autónomos e determinados.
Nada de excessivos confortos, mimos e proteccioniso, que vai sendo norma na nossa moderna sociedade.
Esta família, por todos os aspectos inerentes ao mediatismo e escrutínio a que está sujeita, naturalmente que está condicionada nos diferentes momentos do dia-a-dia, mas quem assiste com regularidade, percebe que apesar disso há ali uma autenticidade, que já deixou de ser norma.
Entretanto, como nada é perfeito, e que só reforça alguma normalidade, foi noticiado em Junho passado que o casal Amanda e Clive se separaram, mantendo no entanto, como prioridade, a educação dos 9 filhos e mesmo a trabalharem juntos na Quinta Ravenseat. Não sabemos, obviamente, os motivos do divórcio, mas não será dispiciendo supor que a exposição pública terá contribuido para alguma instabilidade e tensão, bem como, não menos importante, a diferença de idades entre ambos (20), que naturalmente não se nota quando mais novos mas que se acentua com a velhice.
Se porventura esta realidade vivida em Ravenseat decorresse em Portugal (e quantas famílias modernas, mas ligadas à terra e que vivem do seu trabalho, terão 8 filhos?), dou comigo a questionar se aquelas crianças não seriam retiradas institucionalmente aos pais e estes acusados de incapacidade, desleixo ou de exploração infantil? Sim, porque em Portugal somos o topo, um paíz civilizado, na linha da frente educacional, em que às crianças nada falta, nada se recusa, nada se priva, excepto a desresponsabilização, o trabalho e o mexer no estrume e na terra.
É certo que mesmo em Portugal, no país interior ainda muito ligado à terra, até haverá exemplos semelhantes, em que as crianças também são inseridas cedo na realidade da vida e do trabalho, mas regra geral num contexto de pobreza e raramente como opção por um modo de vida mais terra-a-terra, mais natural, mais primordial, se quisermos.
Digo isto com a naturalidade de quem aos 5 anos já guardava gado e ajudava nas lides da casa e do campo.
Mas nesse tempo não havia o canal Odisseia. O dia-a-dia já era, em si, uma odisseia.
Mas, voltando aos tempos actuais, modernos, não deixa de ser interessante que o que devia ser a coisa mais natural do mundo, seja, afinal, uma raridade, uma excentricidade, digna de passar na televisão, tornando-se popular aos olhos de milhões de pessoas que seguem a série documental..