O Tino é assim: Um rapaz simples, quase primordial, despido do espartilho que adelgaça as noções do bom senso ou do juízo perfeito.
Dizem os especialistas que o Albertino tem algum atraso cognitivo, mas o povo, menos dado a estes conceitos técnicos, diz, apenas, que terá umas quartas-feiras a menos, mas um bom rapaz, do melhor.
Pela minha parte, acho que nem uma coisa nem outra. O Tino tem sobretudo uma simplicidade genuína no pensar e no falar. Pela parte física é um touro de força e destreza e como tal é requisitado como jornaleiro quando se trata de cavar leiras, rachar lenha, limpar matos, apanhar espigas ou batatas. Quanto a ser um bom rapaz, em total acordo.
Em resumo, anda por aí muita boa gente com as quartas e quintas-feiras todas e demais dias da semana e ainda assim com menos tino que o Tino. Como pessoas e quanto a juizinho, em nada são mais ou melhores que o Tino.
Mas o Tino, insisto, é mesmo assim, e nessa simplicidade toda troca-nos as voltas e as ideias. Daria para feirante, capaz de vender botas a quem procura peúgas ou casacos a quem quer comprar cuecas.
Assim, quando nos cruzamos, lá meto conversa de circunstância:
- Então Tino, está calor?
Mas o Tino responde com outra pergunta:
- Então houve mais um acidente na Gandarinha?
- Ai houve? - pergunto interessado.
- Pois houve, e deu um prejuízo do caraças. Podia ter havido mortes! Um carro ficou todo encartado. Vai p´rá sucata direitinho!- responde com ar sério e de quem testemunhou o embate.
Mas mudo de conversa, mostrando-me interessado nas inconstâncias do tempo:
- Mas, ó Tino, amanhã virá chuva?
O Albertino responde, novamente, com outra pergunta:
- Sabias que roubaram quatro galinhas ao Zé Ferreiro?
- Quatro galinhas? - perguntei admirado.
- Sim, e foi de noite e com um cão à porta! - esclareceu abanando a cabeça com ar de quem contava uma impossibilidade.
- Mas então, quem terá sido? - questionei, curioso.
- Foi a viúva do Neca! Era de saber. Já não é a primeira vez! - esclareceu com ar de quem já viu o filme repetidas vezes.
- Mas como é que se sabe que foi ela? Houve testemunhas? - perguntei para esclarecer essa sua convicção.
- Ah, foi o próprio Ferreiro que a viu a meter os frangos, já com o pescoço torcido, num saco.
- Mas foi ele quem te contou? - questionei interessado?
- Ele contou tudo na loja da Nandinha. - disse. - Ele bem deu por ela, mas como caminha mal e estava em ceroulas, não foi atrás dela.
- Mas então ele não vai fazer queixa à guarda? - quis saber.
- Não vai nada! Se calhar não se importa, pois ela roubou-lhe as galinhas mas ele rouba-lhe o pinto!
- Ai é? Bem, eles que se entendam! - respondi já pela estrada abaixo, mas ainda intrigado a pensar no raio da sua resposta, como se nela justificasse a permuta de galináceos.
O Tino também seguiu para cima, mas ainda a recomendar:
- É preciso é ter cuidado com as portas abertas. Ela tudo o que vê, tudo rouba. E é pôr à porta dois cães bravos, com fome e com os dentes afiados!
E pronto! O Tino lá continuou desenvolto a caminho de casa.
De rajada, fiquei a saber de duas novidades que desconhecia, mas continuei sem saber se no dia seguinte choveria.
Já sei! Para a próxima se quiser saber do Tino se vai chover, tenho que lhe perguntar se o Benfica ganhou ou perdeu.