Andamos todos numa espécia de guerra contra as alterações climáticas e fazemos questão de, invariavelmente, as responsabilizar pelos problemas e prejuízos ocorridos sempre que S. Pedro nos brinda com umas fortes chuvadas. Queixamo-nos se não chove, queixamo-nos se chove ou se nem uma coisa ou outra. Andamos, pois, a confundir o manda-chuva celeste. E, todavia, muitos dos problemas como os agora ocorridos na grande Lisboa, em Faro e noutros locais, resultam ou são agravados tão simplesmente pela mão e intervenção humanas. Mas desta realidade pouco se fala como se fosse uma questão menor.
Em todos os aglomerados urbanos, foi-se construindo ao arrepio das leis da natureza, sobre vales de cursos de água e seus leitos de cheia e mesmo estrangulando ou suprimindo ribeiras, maiores ou menores. Em muitas das nossas cidades, são mais que muitas as ribeiras que correm sobre edifícios e debaixo de ruas. Quantas ribeiras existem a céu aberto em Lisboa ou no Porto? Poucas ou apenas uns curtos troços porque no geral estão entubadas.
Mesmo no nosso concelho da Feira, os exemplos dessa prática são mais que muitos. Veja-se no centro da cidade sede o rio Cáster a correr estrangulado em ambas as margens por entre edifícios.
Durante décadas construiu-se ao desbarato, sobre linhas de água ou à face das suas margens. Ocupam os leitos de rios e ribeiras, habitações, fábricas e armazéns.
Só não vê quem não quer. Mesmo aqui em Guisande permitiu-se num passado recente, e já sob a égide de um PDM, que uma unidade industrial nascida de forma clandestina, cobrisse largas dezenas de metros do curso de um regato que no inverno é um rio. E, pasme-se, dizem que foi legalizada.
Agora, numa reviravolta, para se edificar um simples muro de vedação tem que se respeitar pelo menos 5 metros de afastamento, mesmo que a linha de água, em rigor, por vezes não seja mais que um simples rego de rega. Diz o povo, com razão, que não há fome que não traga fartura. Nisto, do ir dos 8 ao 80, somos todos uns ases.
Entretanto, claro está, como dizia por estes dias o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Dr. Carlos Moedas, não se pode mudar a geografia da cidade. Pois não! Nem de Lisboa, nem de Faro, nem de Águeda, nem do Porto nem da Feira e por aí fora. Por isso, não se queixem apenas das alterações climáticas mas das muitas asneiras e burrices que tantos autarcas permitiram sem qualquer veleidade.
É caso para se dizer: - Fizeram merda, agora é aguentar!
[foto: O Observador]