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Há dias, a propósito de uma publicação no Facebook pela Junta de Freguesia de Arrifana, em que nela era referido que ali nascia o rio Uíma (posteriormente alterada ou corrigida para ...aqui nasce o afluente do rio Uíma), gerou-se, naturalmente, uma reacção, alguns comentários e daí alguma celeuma sobre a legitimidade da paternidade deste importante curso de água que nasce e percorre grande parte do concelho de Santa Maria da Feira, até que, a norte, depois de percorrer terras do concelho de Vila Nova de Gaia, ali desagua na margem esquerda do rio Douro, na localidade de Crestuma, ligeiramente a jusante da barragem de Crestuma-Lever.
Confesso-me um interessado em matéria de hidrografia e dos rios e ao assunto dedico algum tempo e atenção. E do muito que sei e procuro saber, verifico que a questão do nascimento dos rios e até dos seus nomes, é pano para muitas mangas e por isso para muitas confusões, discussões e controvérsias. Algumas vêm de tempos imemoriais, outras mais ou menos recentes.
Uma destas questões que ainda não tem consenso nem decisão pelas estâncias oficiais nesta matéria, que serão o Instituto Geográfico Português e ou o Instituto Hidrográfico, prende-se com a confusão entre os rios Ul e Antuã. ACâmara Municipal de S. João da Madeira decidiu em determinada altura (2004) mudar o nome do seu parque da cidade, inicialmente baptizado de Parque do Rio Antuã, para Parque do Rio Ul, porque depois de ter solicitado a alguém um parecer sobre o assunto, considerou que o rio Ul é o que passa pela cidade e pelo parque. Assim, nesta versão adoptada pelos sanjoanenses e por muitos outros defendida, o Ul é o rio que nasce próximo da aldeia de S. Mamede, lugar da freguesia de Fajões, do concelho de Oliveira de Azeméis e que depois segue pelos lugares de Monte Calvo e Vila Nova da freguesia de Romariz, passando ainda por Milheirós de Poiares, S. João da Madeira, a poente da cidade de Oliveira de Azeméis e vai precisamente confluir com o rio Antuã entre as freguesias de Ul, Travanca e Loureiro, de Oliveira de Azeméis, um pouco abaixo do actual Parque Temático Molinológico de Ul.
Por conseguinte, os defensores desta versão em contraponto defendem que por sua vez o rio Antuã é o que nasce na encosta da Serra Grande, junto ao lugar de Alagoas, freguesia de Escariz, do concelho de Arouca, e que depois desce por Fajões, passando por Carregosa e ainda por outras freguesias de Oliveira de Azeméis e pelo poente desta cidade, até então recolher as águas do seu afluente Ul, seguindo o seu curso passando pelo concelho e centro da cidade de Estarreja para logo depois finalmente desaguar na ria de Aveiro perto da localidade de Salreu.
Defendendo esta versão do rio Antuã que também nasce em Escariz - Arouca, por sua vez este rio recebe pela sua margem esquerda ainda um importante afluente, o rio Ínsua, que nasce também em Escariz na encosta poente da Serra Grande, entre as aldeias de Coval e Caçus. Dali desce pela baixa do lugar de Nabais e já no vale de Carregosa encontra-se com o rio Antuã. Mas msmo aqui, há elementos cartográficos que confudem o Ínsua com o Antuã, como no caso do mapa acima. Ou seja, a somar à principal controvérsia, soma-se uma segunda confusão.
Como se disse, esta questão sobre o rio Antuã incide apenas sobre os dois troços a montante do ponto de confluência entre ambos, já que depois dele para jusante o nome é concensual e não oferece dúvidas. Para quem defende o rio Ul como o que passa por S. João da Madeira, invocam documentos antigos, onde surge tal designação, logo no séc. XII, em 1177, no documento de doação do Couto ao Mosteiro Cucujães, por D. Afonso Henriques, mas também o facto de passar pela freguesia de S. Tiago de Riba Ul, o que parece justificar-se. Todavia, é muito comum que os rios tenham um nome associado a uma determinada terra ou aldeia mas que por vezes passem bastante ao lado o que por si só não servirá de justificação.
Por outro lado, os que defendem o rio Antuã como o que passa por S. João da Madeira, invocam tambem documentos antigos que invocam esse nome anteriormente, no tempo do período da ocupação romana. Ainda esgrimem o princípio internacional que estabelece que quando dois rios se juntam o nome que se dá ao rio após a junção é a do rio mais comprido desde a nascente ao ponto de confluência. Ora por esta regra o troço do rio com maior extensão até à confluência de ambos é o que passa por S. João da Madeira (18 Km contra 17 Km), de resto como é descrito nas cartas oficiais do Instituto Geográfico do Exército nas suas populares cartas militares.
Esta velha questão do Ul e do Antuã, será, pois, para continuar, e mesmo que venha a ser tomada uma decisão oficial, a controvérsia há-de manter-se porque com diferentes argumentos e ambos válidos.
Quanto ao rio Uíma e a questão do seu ponto de origem ou nascimento de que falei no início: Tenho também para mim, do que conheço, que principia no lugar de Duas Igrejas, na zona de aplainamento da encosta poente do Monte Crasto, por sua vez este uma extesão do Monte de Mó. O lugar onde nasce o seu troço principal, porque outro há que vem da zona mais a norte do vale do lugar de Duas Igrejas, é conhecido como Fintuma, ou seja, Fonte do Uíma, já que em tempos antigos o rio era também conhecido como Uma, daí a origem do nome dos lugares associados de Tresuma (Trás do Uma), em Pigeiros e Crestuma (Crasto do Uma). Esse local onde dizem que antigamente brotava num forte bolhão superficial, fica muito próximo da zona também conhecida por Valos, um pouco a norte/nascente do campo de futebol do Romariz F.C.
Assim sendo, não nos parece crível nem ajustado que a freguesia de Arrifana o considere como nascido no seu território. É certo, que de Arrifana o Uíma tem um pequeno afluente, o Ribeiro do Regueirinho, mas de muito inferior extensão e caudal, mesmo intermitente, a ponto de ser considerado como fonte de nascimento. Parece-me, pois, excessiva tal pretensão e por isso e daí a tal publicação ter sido posteriormente corrigida ou actualizada fazendo então referência ao afluente, que deverá ser o tal ribeiro do Regueirinho.
Em todo o caso, e isto só reforça a realidade das confusões que são de origem antiga, a ter em conta as respostas do pároco de S. Jorge ao inquérito que em 1758 veio dar lugar à compilação designada de "Memórias Paroquais", quando é feita a referência ao rio Uíma, este é indicado como nascendo em Milheirós de Poiares. Ora pelo que atrás ficou dito, também soa a tremenda asneira, já que sendo certo que passa pela freguesia de Milheirós de Poiares, na zona onde se desenvolve a curva pronunciada que inflecte o seu sentido de curso de norte/sul para sul/norte, e também recebe dois pequenos afluentes na margenm esquerda, um deles o ribeiro do Casal e outro vindo dada zona da Espinheira, não é de todo razoável atribuir ali a sua nascença, já que de facto o troço principal vem precisamente de norte para sul do lado de Pigeiros e já com caudal forte e regular.
Como se vê, estas questões com os rios, suas origens, seus traçados e seus nomes, é coisa para muita confusão e diferentes versões. Ademais, quanto aos nomes, é muito comum, e aceite, que um mesmo rio tenha diferentes nomes consoante os lugares, terras e aldeias onde passam. Como exemplo, no caso da ribeira que nasce em Guisande e passa por Gião, Louredo, Vale e Canedo, até desaguar no rio Inha, tem diferentes nomes. Oficialmente é descrito como ribeira da Mota, e há motivos para isso, de que noutra altura falarei, mas popularmente também é conhecido por rio da Lavandeira (há uma acta da Junta de Freguesia dos anos 1940 que o menciona por esse nome) e já na zona de Louredo é mais conhecido por rio Cascão. Mesmo na zona do lugar de Serralva, da freguesia do Vale, na sua margem direita, era conhecido noutros tempos, e talvez ainda nos actuais, como rio Fajouco, um topónimo que remete para o sentido de lugar baixo ou fundo.
Hão-de, pois, durar no tempo este assunto e estas questões. Apesar disso, os rios não são de niguém em particular, mas de todos e por isso e como tal devem ser preservados, limpos e valorizados como um bem comum pela riqueza ambiental e paisagística que oferecem. Com a onda e moda dos passadiços, que se generaliza por todo o país, por vezes até com aparatos despropositados, os rios e ribeiras e as suas margens vão sendo oferecidas à fruição de caminhantes. Mas mais rios e ribeiras no nosso concelho continuam esquecidos e mesmo desprezados sem qualquer limpeza regular. Há, pois, ainda muito a fazer pela sua requalificação e criação de acessos pedestres marginais.