25 de abril de 2023

25 de Abril de 1974 - Qual a visão certa?

 


E hoje é feriado nacional em comemoração da data de 25 de Abril de 1974, chamada romanticamente de "revolução dos cravos", que se traduziu num golpe de estado militar que conduziu à queda do governo de ditadura então liderado por Marcelo Caetano, que uns anos antes sucedera a António de Oliveira Salazar.

Apesar da sua importância histórica e social para o nosso país, continua ainda a não ser concensual em muitos dos seus aspectos, nomeadamente quanto aos objectivos que a ela conduziram. Para muitos foi a conquista da liberdade e da democracia e a data é sinónimo desses dois valores que temos como fundamentais, mas em rigor os mesmos só foram conquistados ao longo dos anos subsequentes à revolução e ainda há quem diga que não estão de todos plenamente conquistados. Já passaram 49 anos e daqui a mais 50 ainda andaremos a dizer isto. De facto, nos tempos imediatos à data, tudo estava a ser conjugado e direcccionado para uma nova ditadura, sucedendo à de direita, uma de esquerda. Parte dos militares envolvidos, tudo fizeram para a cubanização do país e só depois dos acontecimentos do 25 de Novembro de 1975 é que as coisas se começaram a encarreirar para uma democracia. Ainda anda por aí muita gente que dava tudo para sermos uma Cuba.

Em resumo, o 25 de Abril de 1974 foi sendo pintado com cores que não foram as originais mas em muito a reacção corporativa de uma elite militar descontente com o rumo da guerra no ultramar. Seja como for, de uma forma ou de outra, desvirtuado ou não, resultou a data na interrupção de 40 anos de ditadura (48 se considerado o período anterior de ditadura militar de 1926 a 1933). Mas 40 ou 48, em rigor, são já mais os anos de democracia após 25 de Abril de 1974 do que os de ditadura no antes da data. A classe militar, sempre ela, começou e terminou a ditadura. 

Passados 49 anos, e para o próximo ano passa meio século sobre a data, o país apesar de viver numa democracia, com todos os seus defeitos e virtudes, ainda continua aos solavancos ou em marcha lenta, muito atrás dos melhores indicadores dos países desenvolvidos, nomeadamente dos europeus. É certo que todos temos como adquirido que vivemos em melhores condições, com mais direitos e regalias, na saúde como na educação, as despensas e frigoríficos fartos e as garagens com vários carros, mas a que custo? Em grande parte por força de dinheiros europeus e muito pela enorme dívida pública da qual nem daqui a um século nos livraremos, sendo daquelas coisas que dizem que nunca é para saldar, antes para gerir, ora descendo, ora subindo. Caloteiros mas a viver bem.

No resto continuam as desigualdades, a precariedade no trabalho, uma justiça para ricos e outra para pobres, acessos à saúde e educação diferenciados para ricos e pobres. Estes, os pobres, são cada vez mais e os outros, os ricos, um grupo restrito que acumula a maior parte da riqueza, por isso esta mal distribuida. 

Continuamos com grandes níveis de corrupção e de controlo da governação pelos mesmos dois partidos os quais reservam para si os cargos nos governos e na administração pública, instalando amigos e  familiares, premiando-se com chorudas compensações, subvenções, indemnizações e reformas milionárias. Um fartote embrulhado em democracia.

O povo, esse ainda continua a ter uma vida fodida, com melhor nível de vida no geral, mas em grande parte ilusória porque endividado dos cabelos da cabeça às unhas dos pés, repleto de compromissos, fustigado com uma alta carga tributária e afogado em despesas mensais para os diferentes serviços de água, esgotos, telecomunicações, televisão, automóveis, educação, saúde, etc. 

Naturalmente que em Abril de 1974 havia algum atraso no desenvolvimento de Portugal comparativamente com outros países ( e hoje não é assim?) mas também não se pode escamotear nem esquecer o desenvolvimento que o Estado Novo trouxe, sobretudo na sua primeira metade de governação. Não se pode omitir da história o estado caótico flagelado por constantes golpes militares e guerrilhas civis que marcaram todo o período após a instauração da república. Salazar tomou conta de um país financeiramente destruído. Fez-se muita e importante obra pública, como estradas, pontes, barragens, construiram-se escolas, hospitais e bairros operários. Claro que havia ainda muito a fazer nos diversos sectores e áreas tidas como de desenvolvimento territorial e social mas com tempo certamente que seria feito. Ninguém intelectualmente honesto pode afirmar que, mesmo que hipoteticamente tivesse continuado um regime de ditadura ou de estado totalitário, que Portugal não estivesse neste tempo actual com um bom nível de desenvolvimento. Será sempre uma questão sem resposta porque seja ela qual for nunca será concensual porque qualquer uma delas será apenas hipotética e definida por ideologias.

O grande e capital pecado do regime foi sem sombra de dúvidas a opção pelas guerras coloniais quando deveria ter permitido a independência dos estados ultramarinos, numa transição que poderia ter sido vantajosa para ambos. Mas não, e por isso levou para a guerra e morte toda uma geração de homens e destroçando uma sociadede e recursos económicos que tão importantes seriam para a continuação do desenvolvimento do país. 

Já depois do 25 de Abril, os países ultramarinos foram abandonados num processo sem qualquer controlo, numa total anarquia e com elevados custos para quantos portugueses que ali viviam a tinham nascido, regressando forçadamente a Portugal com o estigma de retornados, com elevados custos para a sociedade de então. Esse foi um dos grandes pecados da revolução que não teve nem peso nem arte nem engenheo, nem porventura vontade, para assegurar uma independência e transição equilibradas e que salvaguardassem os interesses dos portugueses nesses países africanos. Mesmo para os próprios países foi deixado um caldo de guerra civil que durou décadas e que ainda hoje tem feridas abertas e com pseudo-democracias, como em Angola e Moçambique. Uma lástima, um cravo da revolução, e este forjado com sangue suor e lágrimas, uma realidade muito menos suave e romântica do que a a revolução em si.

Estou certo que sem a guerra colonial, mesmo que a ditadura continuasse por mais alguns anos, o país teria outro desenvolvimento. E creio que mesmo por necessidade e mudança do tempo e das políticas mundiais e europeias, aos poucos o regime teria que entrar numa transição para a democracia como de resto entraram muitos outros países, nomeadamente os do leste europeu.

Quanto à visão pessoal do 25 de Abril de 1974, compreendo e valorizo a sua importância histórica e social, mas como a de milhões de portugueses que ainda viveram algum tempo na ditadura, não tem um valor muito especial. Quem vivia o dia a dia, trabalha e metia-se à sua vida, não sentia o peso da ditadura. Até parecia que havia dois regimes, uma  para o povo em geral e outro para a classe política e para os revolucionários e estes é que se queixavam, mas em regra doutores e engenheiros, filhos de burgueses, dos quais muitos também queriam tomar parte na gamela. Muitos deles, logo que alterado o regime, entraram apressados no curral e comeram e têm comido à fartazana. Para si e para os seus familiares, amigos e correligionários. Não ficou teta por ser chupada. Dos pobres, poucos se metiam nessas coisas da política e da oposição. Queriam era trabalho, pão, paz e sossego. Liberdade, nunca nos faltou.

Quando ocorreu o 25 de Abril de 1974, eu tinha 11 anos e meio, frequentava o 5.º ano da escolaridade. A notícia foi dada na escola e já não tivemos aulas e viemos para casa ver televisão que nesse dia só falava no assunto. Obviamente que com essa idade não compreendia o seu alcance e motivos.

Vivia no seio de uma família modesta que como a maioria trabalhava para viver, sem luxos mas com a dignidade possível e nunca nos faltou pão, alguma carne, bacalhau e sardinhas na mesa. Andávamos na escola, vestidos e calçados e nunca nos sentimos em insegurança, nunca fomos incomodados pela polícia, presos ou torturados. Ou seja, como a larga maioria dos portugueses de então, não dávamos pela ditadura e dos seus efeitos nefastos. 

Sendo verdade, como atrás já ficou dito, que hoje em dia vivemos relativamente bem, com todos os confortos da vida moderna, importa não esquecer o custo disso para que a mudança sentida entre os dois tempos, mesmo que decorrido quase meio século, não seja apenas ilusória. Se vivemos bem, isso decorre da passagem do tempo e sobretudo dos altos encargos do país e dependência pela alta dívida pública. Certamente que as maiores vantagens decorrentes do 25 de Abril foi a conquista da plena liberdade e de outros direitos como o da liberdade de expressão, mas mesmos esses continuam ainda mancos e em muitos aspectos a nossa democracia é uma ditadura disfarçada a que damos legitimidade com o nosso voto.

25 de Abril sempre, certamente, e que importa não esquecer, mas com uma visão esclarecida e não por um olhar meramente revolucionário, ideológico e político, porque isso, tanto na ditadura como nas revoluções e como na democracia, sempre interessou e interessa a um grupo restrito das sociedades. O resto é povoce que de uma forma ou outra andará sempre subjugado e a dançar ao som da música que nos dão. Democracia e liberdade só por si, é pouco. Importa todo o resto. E como cantava há quase 50 anos o Sérgio Godinho, ainda hoje faz pleno sentido.


Viemos com o peso do passado e da semente

Esperar tantos anos, torna tudo mais urgente

E a sede de uma espera só se estanca na torrente

E a sede de uma espera só se estanca na torrente

Vivemos tantos anos a falar pela calada

Só se pode querer tudo quando não se teve nada

Só quer a vida cheia quem teve a vida parada

Só quer a vida cheia quem teve a vida parada

Só há liberdade a sério

Quando houver

A paz, o pão, habitação

Saúde, educação

Só há liberdade a sério quando houver

Liberdade de mudar e decidir

Quando pertencer ao povo o que o povo produzir

E quando pertencer ao povo o que o povo produzir


(foto: Eduardo Gageiro]