Anteontem, quando fazia uma corrida em bicicleta, eu vi um sapo. Não um sapo feio com a boca torta a comer um bom jantar, como o sapo da cantiga que a pequenita Maria Armanda interpretou no 23° Sequim D'Ouro (Zecchino d'Oro) que teve lugar em Bolonha - Itália a 22 de Novembro de 1980, cujo concurso venceu, mas apenas um pobre sapo morto. Grande e esmagado ali na valeta de uma rua na freguesia do Vale.
Fiquei mesmo com pena do bicho, ali no lugar da Pena, mas face a essa fatalidade, de resto muito vulgar nas nossas estradas, passei o resto do percurso até casa a reflectir nessa situação. O progresso, a abertura de estradas e o trânsito que nelas circula, sempre apressado, não se compadece com outras questões, nomeadamente a segurança de animais, grandes ou pequenos.
Há países e regiões que até adoptam algumas soluções para permitirem a passagem de animais entre os lados opostos das estradas, mas em rigor são meras excepções e por isso a morte de animais nas nossas estradas, mesmo em zonas urbanas, são mais que muitas e já não impressiona ver um cão, um gato, um coelho, um ouriço-cacheiro ou até, como agora, um sapo morto, esmagado. Ou mesmo, aves queimadas nas redes eléctricas que enfeitam os céus.
O progresso tem sido madrasto e padrasto para os animais. Há duzentos anos um sapo nunca morreria esmagado na estrada porque nem havia estradas e muito menos veículos como motas, carros ou camiões. Eventualmente por uma roda de carroça mas mesmo aí era preciso grande azar. Por conseguinte era mais provável que morresse à pedrada, porque, infelizmente, os sapos iveram sempre má fama, e sub-valorizados na sua real utilidade, como bom hortelão e defensor na horta e jardim contra muitos insectos prejudiciais ás culturas, do que esmagado por uma qualquer roda.
Esta analogia, serve para muitas coisas. De facto o desenvolvimento e progresso humanos quase sempre ao longo da história, e de modo especial nos últimos dois séculos, foram sempre concretizados em desfavor da natureza, do ambiente, da fauna e flora. Voluntária ou involuntariamente, temos sido mestres na aniquilação de habitats e espécies. É certo que já começamos a dar conta do impacto e do mal que isso está a causar aos equilíbrios ambientais e aos poucos vamos introduzindo políticas e práticas na sua defesa e valorização, mas em rigor muita coisa já está irreparavelmente perdida. Espécies e ambientes extintos são mais que muitos. E a lista de espécies em real perigo de extinção é extensa.
Não sabemos no que isto vai dar, ou quando se atingirá mesmo um ponto de não retorno, mas a par das alterações climáticas e de todo o progresso e conforto a que nos habituamos e não abdicamos, a coisa virá mesmo a ficar preta para o planeta azul. E isto se a coisa não for antecipada pelos senhores da guerra e donos da destruição nuclear. Mas mesmo sem ela, parece mais que certo que o futuro dos nossos futuros será tudo menos risonho. Pelo menos e seguramente que nada será igual ao que até aqui tem sido.
Eu vi um sapo, morto, esmagado, mas daqui a mais alguns anos, nem mortos, quanto mais vivos. Talvez em fotografias e ilustrações como as que nos mostram os extintos mamutes, os tigres-dente-de-sabre, o rinoceronte lanudo e até mesmos os dodós.