"Os certificados de aforro eram uma pedra no sapato da Banca. A sangria nos depósitos contava-se por milhares de milhões desde o início do ano, ou, dito de outra forma, 67 milhões de euros por dia. Mesmo que ainda não fosse o caso (acredite quem quiser), não tardaria que se transformasse num problema de liquidez.
Pior. O movimento massivo de pequenos aforradores, dos bancos para a dívida pública, equivalia a um grito diário de revolta contra a forma como os banqueiros conduzem o seu negócio. Os bancos cobram, nos empréstimos à habitação, juros quatro vezes superiores aos que pagam pelos depósitos. É esta usura, aliás, que explica que, mesmo depois de um ano de 2022 com lucros fora do normal, estes tenham chegado a um nível absurdo no primeiro trimestre de 2023 (quase mil milhões nos seis maiores bancos).
Confrontado com a questão, o que fez o Governo? Mostrando "zero cedência" perante os interesses dos poderosos, mas preocupado com o défice e a dívida, acabou com a série de certificados de aforro que ameaçava transformar os portugueses em milionários. Ao final de uma sexta-feira, não fosse ainda o malandro do pai aplicar a correr os mil euros da poupança do filho, não fosse algum professor, jornalista, ou empregado de escritório com a mania das grandezas levantar os cinco mil euros que tem guardados para um imprevisto ou para a reforma que se aproxima, aproveitando-se da generosidade do Estado.
Generosidade, sim, que, segundo as explicações iniciais, pagar um juro de 3,5% pela dívida pública não era racional. É verdade que, na segunda-feira, ficou claro que, descontado o IRS que cobra sobre os juros, o Estado paga mais aos grandes investidores estrangeiros do que aos pequenos aforradores nacionais. Mas isso não é caso para perder a face. É preciso pensar na previsibilidade: ou seja, o filho entretanto chega à maioridade, o tal azar acontece, ou o velhote reforma-se mais cedo. Levantam o dinheiro e deixam o Estado, pobre dele, com as calças na mão. E você, também acredita em histórias da carochinha?"
Rafael Barbosa - Jornal de Notícias
Não diria nem escreveria melhor que o Rafael. Na mesma linha do assunto, também subscrevo na íntregra a opinião seguinte de Paula Ferreira:
"Bem pode o secretário de Estado das Finanças dizer que houve zero pressão dos bancos, versão certamente confirmada pelo ministro se, eventualmente, Medina responder ao repto dos partidos e for ao Parlamento. O fim da Série E dos certificados de aforro anunciado numa noite de sexta-feira, depois da hora de jantar, aparenta ser golpe sujo perante os portugueses que amealham as poupanças e têm a veleidade de esperar algum retorno.
Até podemos com bondade, uma dose enormíssima de bondade e candura, aceitar a versão do Governo. Mesmo assim, mesmo que nos esforcemos, não conseguimos acreditar. Tinha havido sinais de que a banca não estava nada contente com a sangria dos depósitos, saídos diretamente para os cofres do Estado. Houve quem o dissesse abertamente. Foi o caso do presidente do Banco CTT. Defendeu, em público, que o Estado devia suspender a emissão de certificados de aforro; outros o terão feito, por certo, com mais discrição. Ora, não demorou uma semana para o desfecho: o Governo cedia.
Mas, para nem tudo ser mau, acena aos portugueses com a emissão de certificados do tesouro. Com uma nuance: uma taxa inferior aos 3,5% dos certificados de aforro, logo bem menos atrativos, logo menos competitivos com o setor bancário. Que faz a festa. Ontem, passou a remunerar os depósitos, ou seja, o dinheiro que os depositantes emprestam aos bancos, com uma taxa média de pouco mais de 1% - taxa inferior, na Zona Euro, só Chipre e Eslovénia.
Coincidência? Ninguém acredita. Há dados objetivos. Os bancos viram sair dos seus cofres, desde o início do ano, 67 milhões de euros todos os dias, como se pode ler nas páginas seguintes. O Governo é amigo e a medida vai com certeza estancar a sangria. Não porque a banca esteja sem liquidez. Apenas precisa de aumentar os lucros. Ao Estado, os portugueses emprestam dinheiro: nos bancos, depositam em troca de juros. Eufemismos."