Neste Sábado, nova caminhada num trilho repleto de pontos de interesse. Por terras férteis e verdejantes de Penafiel onde o Sousa é rio que aglutina toda uma rede de ribeiras frescas que fecundam leiras e várzeas. Como diria qualquer mestre das coisas transcendentes, foi uma jornada conectada e estimulante com a natureza, repleta de good vibes, ou lá o que isso queira dizer para quem não é camone. Mas estimulante na justa medida, porque com estimulação a mais pode-se perder o rumo das coisas.
Trilho muito interessante com o nítido contraste dos íngremes caminhos que o Criador numa revolta transcendente de matéria primordial em lava pavimentou de xisto crespo, e carreiros frescos por entre sombras de carvalhos, castanheiros, choupos e loureiros entrelaçados de madre-silva, talhados ao sabor das levadas aguarentas que roubando as águas ao límpidos ribeiros, onde felizes coaxam rãs, matam a sede estival ao milheirais, cebolais, feijão de vagem ou tomateiros que povoam hortas e quintais de aldeias ainda marcadamente rurais.
No ponto mais alto da jornada, pegados na Pegadinha, onde é rei e senhor o xisto negro e luzidio, há um baloiço para balançar e miradouro para mirar aldeias, torres de velhas igrejas e campanários de novos templos em betão. Ainda um banco do amor onde deve ser aproveitado a propósito.
Naqueles montes, qual reino inóspito de fragas onde só a carqueja encontra fraco sustento, também a Aveleda encontrou lugar para o plantio de hectares e mais hectares de vinha verde, em cachos de loureiro de arinto e avesso, que lá para Setembro, depois de os dourar o S. Tiago, há-de produzir o melhor verde da região. Um exemplo de que com investimento, tecnologia e trabalho duto, é possível transformar montes e encostas crespas em riqueza e oportunidade de trabalho e emprego, isto, claro, para quem quiser trabalhar. E se os indígenas portugueses já são esquisitos e não se vergam a apanhar cachos de uvas ou mirtilos a preço de uva chorona por 5 ou 6 euros à hora, é vê-los, alojados em contentores xpto, nepaleses, africanos e de outras migrações, a conformarem-se com dois euros à hora, que bem aproveitados, em meia dúzia de meses os transformam nos ricos senhores das pobres terras de onde vieram. Mirtilos, uvas e até mesmo kiwis baby ou anões, dos quais dizem que lá para Agosto estarão á venda mais caros que a cereja do Fundão ou das melhores trufas da Provença francesa.
As coisas são mesmo assim. Andamos para aqui feitos morcões a trilhar caminhos nunca dantes navegados, quando a maioria, não larga os modernos cruzeiros de quatro rodas que silenciosos e fresquinhos passam nas estradas sem se deter, olhando apenas o que a vista alcança, quando o que é preciso é parar e pôr pés e pernas ao caminho e de encontro à carqueja, urze, granito e xisto. Outros, daqueles que pagam para correr, não o fazem com a devida calma e o relógio vibra a cada quilômetro a avisar do ritmo e do tempo. Os olhos apenas descem para baixo para calcular o terreno onde vai assentar a sola das nikes, adidas e asics. Ao longe ou ao perto não há tempo nem lugar a apreciar a verdura magra da carqueja, os olhos da esteva, ou identificar que pássaros que no bosque nos presenteiam com uma matinal sinfonia polifónica. Siga! O dorsal custou dinheiro e o chip preso ás botas anseia por transpor a meta que dita lugares no pódio e que hão-de servir para inflamar alguns egos. Siga!
O restabelecimento, o restauro, recomendado num sítio que a sabedoria do povo trabalhador procura a horas certas e onde não há lugar a provas ou tempo para os gestos da praxe para aceitar o vinho todo xpto, ou torcer o nariz em sinal de que sabe a rolha. Siga!
Ali, no Ruli, um almoço é isso mesmo, comer uma refeição rápida, tradicional, saborosa e ainda econômica, mas simultaneamente uma lição de como é possível conciliar eficiência com saber. Um autêntico homem polvo. Ali não há tempo para descrever a lista das refeições, dos ingredientes e da forma do preparo. Franguinho sob caminha de batatinha nova, untado com azeite extra-virgem aromatizado com louro e tomilho e com uns filamentos de cebola vermelha. Foda-se! Isso é para quem está disposto a pagar 50 euros por cabeça e não para quem se contenta a pagar 7. Ali pergunta-se de rajada: - Feijões ou frango? E basta olhar para os vizinhos comensais para se perceber que feijões é feijoada à transmontana e frango é ele mesmo, assado no forno com batata, acompanhado delas, arroz e salada de alface e cebola de Penafiel. Siga! Nem há terceira escolha porque isto de menage à trois sai bem é na cama. À mesa é uma perda de tempo e desiquilíbrios de binómios.
O vinho é bom, fresco e barato, e escorrega como a cascata de Castelões na ribeira de Lagares ou de Ribas, produzido de encomenda para a casa. Se pedir mais um copo vem a garrafa e paga o mesmo. Na terra de bom vinho verde não se perde tempo a discutir preços e quantidades. Cada minuto conta e o homem mesmo parecendo ter oito braços, não tem dez.
Também na sobremesa não se esbanja o precioso tempo a distribuir cadernetas de cromos de gelados da Olá nem a repetir vezes sem conta as iguarias e doces. Vem a travessa com uma carrada de taças iguais de mouse e de outras coisas de que nem vale a pena perguntar de que são feitas. Se agrada ao olhar é pegar e andar.
Na mesa é escusado pedir café e depois a conta. É levantar o cu e ir tratar disso no balcão. Lá toma-se, paga-se e vai-se à vida, porque lá diz o ditado que "amigo não empata amigo".
Sem querer, ficamos amigos e clientes do Ruli da Fonte da Arcada. E já como clientes, bem como os amigos e fornecedores, só não ficamos para a comemoração do 24.º aniversário do espaço, programada lá mais para meio da tarde, porque apenas em solidariedade com o porco, o qual apesar de ir para a matança, não tinha sequer sido convidado e na aldeia seria o único que não sabia o que lhe ia acontecer. Dali a horas estaria a ser servido em fêveras e rojões regados com o verde a jorros.
A vida é mesmo assim e dela até a morte, de gente ou de porco, faz parte. Dá-nos pena, pois dá, mas a celebração da existência é feita destas pequenas e grandes coisas, de alegrias e tristezas mas também de vida e morte. Sem deslumbramentos supérfluos. Sem tops, sem uaus, sem emojis sorridentes e outras lambe-cuzices.
Feita a crónica, de seguida estampam-se alguns dos muitos olhares colhidos na jornada. Mas isto de tirar fotografias a bosques, ribeiras, calhaus, flores e passarinhos, dá cabo das médias. Que se foda!