Confesso que desde que vi um porco maneta a andar de bicicleta e ainda a usar o telemóvel e óculos de sol, já nada me surpreende. Mas mesmo assim, há certas coisas e determinadas decisões que pela sua aparente dualidade de critérios, não dá para perceber de todo o que vai na cabeça de quem as toma. E das duas uma: ou encolhemos os ombros numa indiferença de quem diz - Deixa andar!, ou então toma-se a coisa a peito e incomoda-se.
Nesta situação de que falarei, por mim, apesar deste texto com um objectivo de reflexão, nem uma coisa nem outra, porque não me diz respeito de modo particular mas apenas como cidadão, e porque mesmo não compreendendo o diferente tratamento para coisas semelhantes, deixo a coisa rolar porque, como dizia há dias o Dr. Rui Rio, "...já não tenho esperança neste país".
Então é assim: Há dias tomei conhecimento que numa certa câmara municipal foi indeferido um pedido de informação prévia para a construção de uma habitação, tão somente por haver um parecer desfavorável e vinculativo de uma entidade externa que considera (e esta gente não sai do gabinete para fora para comprovar) que a pretensão, de acordo com a cartografia militar, se implantava em zona de passagem de uma linha de água.
Em rigor, isso não é verdade porque a linha de água existe mas desde há décadas a passar pela extrema do terreno e por isso fora da zona prevista para a implantação da moradia. Tal facto pode facilmente ser verificado e comprovado com uma visita dos técnicos ao local, o que não aconteceu.
Além do mais espanta que tal decisão e parecer desfavorável tomado como vinculativo decorra da leitura de uma carta sem rigor métrico, porque na escala 1/25000 e ainda por cima em contra-mão com as cartas de ordenamento e condicionantes do PDM da respectiva câmara municipal, nas quais tal linha de água não está assinalada, não tem qualquer classificação porque irrelevante, muito menos de domínio público hídrico. E daqui, uma leitura possível e surpreendente, mesmo paradoxal, de que afinal uma carta militar sobrepõe-se a uma carta do PDM, supostamente bem definida quanto à classificação do solo e condicionantes. Esta é de facto uma novidade!
Mas tudo isto até poderia ser classificado como natural e curriqueiro e uma vez verificada a natureza e o verdadeiro traçado da linha de água, a coisa certamente viria a ser reapreciada e deferida. Ou seja, o parecer desfavorável até pode ser positivo no sentido de despoletar a confirmação "in loco" se há ou não inconformidade lesiva para terceiros.
Mas, cá está, a ligeireza, o paradoxo e a dualidade de critérios que são insondáveis, porque na mesma freguesia da área administrativa da mesma câmara municipal, não apenas como informação prévia mas já com licenciamento aprovado, está em construção uma habitação que também ela está totalmente sobreposta a uma linha de água, e já agora com fluxo permanente e não de apenas águas pluviais. Mas pelos vistos, na fase de análise técnica, niguém ligou patavina à linha de água na carta militar. Vá lá saber-se porquê...
Por conseguinte, a obra está em curso, a obra irá ser acabada e habitada e faz-se de conta que tudo está bem e que esta dualidade de critérios e análise dos regulamentos e pareceres administrativos depende apenas de sorte ou azar ou aptidão óptica dos técnicos e decisores, como num jogo de roleta russa.
Mas ainda voltando à mesma bendita linha de água que motivou o indeferimento, a mesma passa por debaixo do logradouro pavimentado de uma instalação industrial, tendo sido entubada há anos ao arrepio da lei, e mesmo da mesma entidade externa, vá lá saber-se se por ordem de que divino espírito santo. Mas lá está, serena e tranquila. De resto o que não faltam por aí, no tal concelho e nos demais, linhas de água a passarem por debaixo de construções decorrentes de edificações clandestinas, é certo, mas igualmente por aprovações tomadas num tempo em que os atentados ao ambiente eram moda e carimbavam-se num qualquer almoço ou jantar entre velhas amizades.
É pena que seja assim, porque estas coisas devem ser decididas de forma criteriosa e segundo os mesmos princípios constitucionais de igualdade e direito. Infelizmente, nesta situação, não me parece que tal imparcialidade tenha acontecido e por isso é que se torna incompreensível. Mas, fico-me por aqui. Deixa rolar!
Os proprietários, obviamente que não têm qualquer responsabilidade na decisão porque em primeira mão cabe aos decisores técnicos e políticos analisarem do cumprimento e do respeito pelas normas regulamentares, mesmo que lhes apresentem projectos com as tais linhas de água omitidas. Mas mesmo que tomemos as tais linhas de água que constam nas cartas militares como decisivas a ponto de constituirem motivo para pareceres nagativos, então que se tomem como obrigatórias as cartas militares na análise de todo e qualquer projecto. Dessa forma estaria a ser seguido um critério de igualdade e imparcialidade. Ora não sendo assim...dá merda!.
Já agora, o recorte da cartografia militar que ilustra este artigo, que não tem nada a ver com a zona em questão, é apenas demonstrativo aos meus leitores do que é uma carta militar e do rigor que se pode ter da mesma. Uma casa que tenha 15 x 15 metros, por isso com 225,00 m2 de área de implantação, está ali marcada como uma caganita de mosquito. É caso para se dizer que os senhores que decidem e dão pareceres nos gabinetes, conseguem ver mosquitos em África.