5 de julho de 2023

Não me batas que eu quero bater-te

Todas as guerras são irracionais, tanto mais aquelas que, como a que se trava na Ucrânia, resultam de invasões injustificadas e apenas com argumentos políticos militares e geo-estratégicos.

Temos assim de forma objectiva uma guerra com um país invasor, a Rússia, e um país invadido, a Ucrânia, que com toda a legitimidade se defende.

Mas para além de toda a irracionalidade e horrores, há a linguagem, a comunicação e a propaganda em que naturalmente ambas as partes procuram tirar proveito da sua influência, com informação ou contra-informação, dramatismo e desculpabilização.

Ora dessas informações e comunicados, a Rússia tem utilizado uma retórica que para além de não colher, porque sem razões objectivas para a invasão, é no mínimo ridícula. Senão, veja-se: Actua como país invasor e apesar disso critica os países ocidentais por ajudarem a Ucrânia a defender-se. Ou seja, considera que deveria ter o campo e portas abertas para poder invadir e avançar a seu bel-prazer até ao ponto de subjugar a nação e torná-a uma parcela sob o seu domínio militar e político.

Por outro lado, usando mísseis e drones tem atacado com regularidade  cidades e alvos civis, sem qualquer critério militar, ceifando vidas inocentes, incluindo idosos e crianças, e fá-lo não só com a total impunidade de potência invasora, mas com toda a naturalidade. Pelo contrário, qualquer acção em território russo, mesmo que esporádica e sem consequências, porque de resto só demonstrariam a incapacidade e vulnerabilidade próprias do seu aparelho militar, bradam ao mundo que se tratam de actos terroristas. Ou seja, a Rússia acha legítimo atacar de forma indiscriminda com meios reconhecidos como desproporcionais mas, imagine-se, não quer ser atacada. As nações que têm ajudado a Ucrânia ficam assim num dilema de ajudar podendo complicar a solução de paz, ou não ajudar e ficarem a assistir impávida e serenamente a uma agressão desproporcional. Este é o dilema que de algum modo também é nosso, de cada um de nós.

É certo que o apoio dos países europeus e dos Estados Unidos tem contribuído para que a Rússia não atinja os objectivos que supôs conseguir em meia dúzia de dias após a invsão, mas também ajuda a que o conflito se prolongue e que a escalada da guerra possa descambar para algo mais grave e global, como de resto o diz ameaçadoramente a retórica do Kremlin e suas figuras.

Não sabemos, de facto, qual será o desfecho e para quando, mas não há dúvida que esta guerra e seus envolvimentos são um vulcão activo que tanto pode adormecer como entrar numa espiral de destruição massiva.

Oxalá que não e que, mesmo que pelo cansaço, as coisas venham a parar e a criarem-se condições para o que for possível da paz, mesmo que podre, e de seguida a reconstrução da Ucrânia sendo que as feridas e cicatrizes essas serão permanentes e perdurarão por séculos.