7 de agosto de 2023

O Sr. Manuel Alves que também é senhor Neca





Isto de falar dos outros, tanto mais quando ainda são vivinhos da silva, tem que se lhe diga, porque quem o faz corre o risco de ser injusto ou então excessivamente simpático, o que alguns dirão de lambe-botas. Mas assumo o risco e o que a seguir escreverei resulta apenas da minha percepção e experiência pessoais ao longo de muitos contactos e testemunhos, mais privados ou circunstanciais. E mais do que isso, com sinceridade, porque sem obrigação ou propósito de qualquer outra natureza.

Estou a falar do Sr. Manuel Alves, ainda entre nós apesar da sua já linda e avançada idade. A caminho dos 91 anos já que nasceu a 21 de Agosto de 1932. Uma pessoa quando é muito conhecida, pode ter vários nomes e o Sr. Manuel Alves é tratado de diferentes formas, como apenas Sr. Alves, Sr. Neca ou ainda por Nequita. Ainda Nequita do Viso ou Neca da Loja, por herança dos tempos em que em Casaldaça tinha uma mercearia e tasca. Ainda, não raras vezes, como o Neca da Tina, como é típico dos portugueses relacionar o nome do homem ao da esposa ou vice-versa.

Pessoalmente trato-o por Sr. Neca. Conheço-o desde que ainda criançola descia várias vezes do Viso a Casaldaça à mercearia da Sr.a Amélia. Nunca foram os meus pais clientes da farta mercearia do Sr. Neca, mas mesmo assim era frequentada por mim, porque que mais não fosse para comprar alguma coisa que no momento estivesse em falta na mercearia ao lado. Além do mais, mesmo já em adolescente, muitas vezes aos domingos à tarde alí íamos como gente grande merendar, um pirolito, umas zeitonas, amendoins ou então, quando com algum dinheiro inesperado no bolso, uma sandes de queijo. À fartazana! Também a comprar cromos da bola e dos cowbóys.

Mas, queira-se ou não, o Sr. Neca por um conjunto de razões é uma personalidade muito singular na nossa comunidade e freguesia e de algum modo um seu património ainda vivo mas que perdurará para o futuro. Como se sabe e já o disse, durante muitos anos exerceu a profissão de comerciante explorando a mercearia e tasca em Casaldaça, que a tomou das mãos da Sr.a Conceição e do Sr. Domingos "Patela",  e mais, tarde encerrada porque em edifício arrendado, mudou-se para o lugar do Viso, onde ainda vive, e ali continuou sobretudo com a afamada confecção de boa broa de milho e regueifa doce à moda de Guisande, aproveitando as mãos laboriosas e o saber da esposa de há 70 anos, a senhora Tina. Infelizmente tudo tem um fim e devido às limitações impostas pelo peso da idade, também essa actividade acabou há já alguns anos. Felizmente, no que toca à regueifa, creio que passou alguns segredos à minha prima Cilita. Mas ficam as memórias da azáfama, sobretudo em vésperas de Páscoa com o forno a parir deliciosas regueifas que gente de muito lado procurava.

Para além disso, o senhor Neca foi regedor na freguesia, no período que antecedeu o 25 de Abril de 1974, então um cargo que conferia respeito e autoridade e que a representava e no exercício do qual me contou algumas engraçadas histórias. Pano para outras futuras mangas. Foi por pouco tempo, é certo, e numa época em que os regedores já perdiam importância face à criação e proliferação pelas zonas rurais de postos da GNR, como aqui por perto em Canedo. Logo após o 25 de Abril de 1974 e assente a poeira da revolução, criadas as condições para as primeiras eleições autárquicas, o Sr. Manuel Alves fez parte como presidente da Junta de Freguesia de Guisande de 1982 a 1989, em represnetação do PSD. Mesmo depois disso, e perdidas as eleições em 1989 para o Partido Socialista, voltou a recandidatar-se mesmo que, já noutra dinâmica, não tivesse logrado a reconquista. 

Fez ainda parte da Comissão Fabriqueira e era pessoa muito considerada pelo saudoso pároco Pe. Francisco Gomes de Oliveira.

Foi autarca e presidente de Junta num período muito específico e singular, ainda num contexto muito particular e com uma forma de gerir nem sempre de forma mais escrutinada e com as contas porventura sem o rigor dos actuais tempos, de resto o que era prática em muitas pequenas autarquias, no que se dizia vulgarmente ser de contabilidade de mercearia, mas apesar disso, foi um período em que quase tudo estava por fazer e era preciso desbravar caminho. Mesmo que nem sempre da melhor forma e passível de conbtraditório, a verdade é que durante o seu período de governação fez-se muita obra, com abertura de várias ruas, como as ligações a Louredo e a Gião, que não existiam, alargamentos, pavimentações, melhoramentos vários, etc. Fez-se a sede da Junta, construiram-se os jardins de infância de Fornos e Igreja, fizeram-se obras nas escolas primárias, ampliou-se o cemitério, etc, etc.

Pessoalmente tenho a maior das considerações pela sua pessoa e pelo seu passado mesmo que em determinadas alturas, principalmente quando fazíamos parte do jornal "O Mês de Guisande" tivéssemos tido um papel de escrutínio e tantas vezes de crítica e de algum modo responsáveies pela mudança política. Mas nesse aspecto foi sempre o Sr. Neca de um grande sentido democrático e nunca tomou as coisas a peito, deixando na política o que era da política, o que nem todos foram capazes de fazer pelo que ainda subsistem alguns ódios de estimação que só servem para dividir mesmo em momentos e objectivos comunitários.

Por várias vezes convidou-me a participar em listas a eleições mas sempre recusei por mera opção de não envolvimento na política, mas revela a confiança que tinha nas minhas simples capacidades. Em algumas situações mais pessoais foi sempre de uma enorme consideração, respeito e seriedade. Por diversas vezes ofereceu-se para me ajudar em diversas situações e quando foi preciso não deixou de o fazer e apoiar.

Por conseguinte, estas simples palavras sobre o Sr. Neca, são apenas um reconhecimento pessoal do seu papel e do seu contributo de cidadania na freguesia, mesmo reconhecendo que, como eu e cada um de nós, não é perfeito e terá também e certamente os seus pecados e omissões. Obviamente que pode haver que tenha uma percepção diferente mas, como seres imperfeitos que somos pela nossa própria humanidade, todos estamos sujeitos a análises menos simpáticas e até tantes vezes injustas ou desonestas. Quem de algum modo se envolve em actos ou acções de cidadania, infelizmente e como desmotivação, acaba por merecer mais críticas do que merecimentos. Isto não é novidade e na nossa própria comunidade, apesar de bons exemplos e de muita gente reconhecedora, o que não falta é desconsiderações e em grande parte por pessoas que nunca nada fizeram. Daí a velhinha sentença de que só não erra quem nada faz. Não surpreende, por isso, que não faltem por aí artistas que nunca erraram na vida, na justa medida de que nunca nada fizeram a favor dos outros e da comunidade onde se integram.

Sendo assim, e porque felizmente ainda anda por aqui, parecem-me ser justas estas simples palavras sobre o nosso Sr. Neca. Não me levará a mal. Bem haja por tudo quanto fez.