Quando percorro uma certa freguesia vizinha, seja de carro, de bicicleta ou como ainda hoje a correr, pergunto-me se esta terra tem alguma coisa parecida com uma junta de freguesia que cuide e trate das suas coisas mais elementares, para além de registar uns cães ou mandar abrir as covas para quem falece, mesmo que a cobrar por isso? A resposta a mim próprio é de dúvida e não de certeza, porque pelo menos por aquilo que é dado a observar, pelo aspecto de abandono e desmazelo dos espaços públicos, ruas, valetas e passeios, parece que não, que não tem.
Mas tem, concerteza, porque de tempos a tempos lá vai havendo eleições e alguém, por vezes repetidamente, acaba por vencer. Mas volto a perguntar a mim mesmo quais são os critérios dos eleitores que escolhem aqueles que serão eleitos? Pela sua capacidade de fazerem bem, em prol de todos, com qualidade e competência, ou no caso e como no caso, em contexto de uniões de freguesias, por alguém que trata melhor da sua do que a dos outros? Talvez sim, talvez não. Em rigor, por mais que nos digam que a fantástica democracia é isto mesmo, que somos todos nós a escolher e a legitimar quem nos representará, a verdade é que isso é mais ou menos uma treta, poque na realidade 51 decidirão sempre por 49. Dirão, concerteza, que é na aceitação dos 49 pela escolha dos 51 que reside a virtude da democracia. Será, pois será, até porque em rigor não há sistemas alternativos perfeitos, mas para qualquer um dos 49, será indiferente que sejam 51 a decidir por si ou se apenas 1.
Em todo o caso, não há volta a dar nestas equações e continuará a ser assim até que o povo queira. Por isso, e tomando como exemplo de que nem vale a pena citar nomes, até porque é chapéu que facilmente encaixa em várias outras cabeças, os eleitores das freguesias maiores, mesmo que sem essa objectividade e propósito, decidirão sempre o que fazer com as menores, incluindo o seu esquecimento, já para não dizer desprezo.
Mas, verdade se diga, esta minha interrogação e dúvidas, que poderão ou não ser partilhadas por outros, no geral não preocupam, porque, mais arroba menos quintal, somos pouco exigentes e havemos sempre de marcar o nosso voto em gente de boa vontade mas incapaz, honrada mas ineficaz, no que toca a esta coisa de gerir os interesses comuns de forma justa, equilibrada e proporcional e até no princípio de reduzir a velocidade de quem vai à frente para que os mais atrasados se aproximem e todos possam caminhar à mesma velocidade.
Ao fim e ao cabo, para manter esta pouca exigência do povo, bastará à maioria que na devida medida não lhes falte o pão e o circo, tal como já há mais de dois milénios os romanos tinham como orientação para governar Roma e o resto do império. Por isso, no geral, lá vamos nós todos contentinhos com pulseiras nos pulsos abastecer-nos das nossas doses de pão e circo e assim vamos andando acomodados, pelo menos pouco exigentes com quem nos deve servir num sentido de cidadania de todos para todos e não de alguns apenas para alguns. A quem interessa que uma rua esteja esburacada há longos meses, se não é a nossa rua ou por ela não temos necessidade de transitar? A quem interessa que alguém deixe uma obra pública inacabada durante longos meses, num laxismo e desresponsabilização, quase mesmo num desprezo absoluto pelos contribuintes e cidadãos? A quem interessa que os orçamentos se esvaiam significativamente em pão e circo?
As nuvens são macias e dizem que doces, pelo que a muitos pouco importará descer à terra, à dureza da realidade. Assim sendo "panis et circenses, sufficiunt".