18 de agosto de 2023

Vamos lá ver...o bife à Zé de Vér

 


Andava eu a encharcar abundantemente as raízes de tudo quanto era árvore de citrinos cá no quintal, e são apenas oito, para depois lhes aplicar o Garbol, quando o telefone estremeceu no bolso. Era o Geadas, a convidar-me para irmos comer um bife ao Zé de Vér, em Escariz, a pretexto de estar ele na reforma, eu de férias e sobretudo para pormos a conversa em dia. - Não tenho nada marcado - disse-lhe - pelo que pode ser. - Mas é melhor reservar, porque estamos em férias e os emigrantes querem passar por lá como quem passa por Fátima, a marcar ponto. - Ok! Então liga! É melhor, é!

Lá liguei, e já por especial favor, por ser apenas mesa para dois, e à conta de que disse que era primo de gente que por lá é tida em conta, lá ficou reservada a mesa para as 19:30 horas. -Mas não se atrasem! Recomendou alguém do lado de lá. Não nos atrasamos, porque apanhou-me o Geadas pelas 19:00 horas pelo que ainda não era a hora marcada na capela de Ver, que vai ter festa este fim-de-semana, e já estávamos a estacionar o Mercedes. Cá fora, já alguma malta a aprontar-se, outros à espera de gente para compor grupos e encontros marcados.

Quem frequenta esta popular casa de pasto, uma designação que nos faz pensar que somos ovelhas ou gado bovino, mas que é antigo e bem tradicional, sabe que por ali não se esperam luxos, guardanapos de pano com monograma bordado, nem mesas separadas nem outras merdices de gourmet onde o bife servido no tamanho de um selo sai a 500 euros o quilo. Para malta dessa finura é melhor nem passar à aldeia, quase sempre a cheirar a vacaria ou a silagem. Assim, dali a nada  fomos arrumados na ponta da mesa onde ao lado já se aviava um casal a batalhar num bife maior que a travessa. 

Agarramo-nos a umas azeitonas galegas, pequeninas mas saborosas. Entretanto, acomodados mais alguns esfomeados, lá fizemos o pedido: - Um bife grelhado para os dois! Para beber, porque fazia calor, uma caneca das grandes de maduro branco, bem fresquinho. Dali a pouco chegou o bife, que parecia um chapéu de três bicos, grande, espalmado, com boa cor e a cheirar a grelhado. Tenro e passado no ponto.

A acompanhar, umas batatas fritas, toscas, cortadas à foice, mas saborosas. Sem verdura, apesar de por esta época ser tradição feijão de vagem, como no Inverno são os grelos. Mas importava dar conta do recado do bife e as vagens verdes e viçosas, cultivadas naquelas hortas generosas, ficaram para outros, até porque as tinha comido em casa, ainda ao almoço.

E lá fomos comendo e pondo a conversa em dia. Ao nosso lado, saiu o casal  já farto e ainda a levar para casa. Logo de seguida, toalha de papel na mesa e mais uma dupla pronta para o mesmo. Entretanto a sala foi-se enchendo de grupos, com muito mulherio, novas e velhas, ao contrário do que era habitual noutros tempos, quase exclusivo para machos. Por ali parecia um coreto com uma banda de música desafinada, mas em vez das bocas nos trombones, trompas e clarinetes, a encherem-se de garfadas de bife de arouquesa e canecadas de vinhaça.

O bife lá foi desaparecendo, como o gelo no Pólo Norte, e pouco sobrou, apenas umas pequenas aparas que se trouxeram, porque cá em casa o cão pesa 50 quilos. Ainda se pediu mais meia porção de batatas cortadas à foice e foram-se.

Passamos ao lado da sobremesa, que seria, como de costume, talhadas generosas de queijo e de marmelada, numa combinação de Romeu e Julieta, cortadas pela mesma foice que cortava as batatas e apenas se pediu café, gostoso, por sinal. 

Já no balcão do café o Geadas não quis que eu pagasse e parte que comi e na velha tradição de que quem convida paga (coisa que não se aplica aos modernos casamentos), pelo que lá pediu a conta, feita ali mesmo em cima do jornal, sem prova dos nove ou real, mas nem foi preciso porque por 30 euros comemos um bife do tamanho da fome de quatro trolhas.

Lá regressamos, nas calmas, porque o litro de vinho branco fresco e de boa qualidade, tinha ido todo. E pusemos mais alguma conversa em dia, e só nos lamentamos de já não sermos gente nova e por isso a importar haver algum regime e cuidado com a boca e exercício (e por isso hoje de manhã já corri 15 km), porque não fosse assim, marcávamos, como alguns que cá conhecemos, mesa diária no Zé de Ver.

Mas, passe o exagero, até ver, come-se bem e relativamente em conta no Zé de Ver. É claro que o bife é mesmo assim, uma lotaria, e porque há gado como as pessoas, ruins e nervosas, por vezes a coisa dá em tudo menos em tenrura, mas compreende-se. Mesmo o bacalhau, que anda caro comó caralho, por ali é quase sempre grande  e bom, seja cozido, frito ou grelhado.

O serviço, as instalações e a mobília não são, seguramente, de 5 estrelas, e há por ali mais barulho que num festival de heavy metal, mas talvez mereça uma meia estrela, e mesmo assim, porque a comida é de 6 estrelas,  não faltam por ali clientes a encherem a tasca, entre gente pobre e remediada, que também têm direito a meter o dente na xixa. Comem por ali doutores e engenheiros,  mesmo que naquela de para fotografarem o bife e dizerem nas redes sociais que já lá foram, a modos de quem vai a Paris ou a Punta Cana. Alguns desses doutores são mais pobres que os pobres que por ali comem, mas isso já são outras histórias, lendas e narrativas, como costuma dizer o Joel Cleto.

Chegados a casa, concluímos que a conversa voltou a ficar como dantes, desactualizada, e por isso um dia destes, quiçá pela Santa Eufêmia (15 de Setembro), vamos ter que voltar à casa de pasto do Zé de Vér, mas dessa vez talvez com o bife frito e de cebolada, como manda a tradição da Santa Eufêmia. Talvez a conversa volte a ficar em dia. Talvez!