Um bonito e soalheiro dia de Domingo a pouco mais de uma semana do Natal. Depois do almoço caseiro, decidi ir tomar café ao centro da vila de Arouca na expectativa de ali encontrar o espírito de Natal, mas prevenido de que anda fugidio.
Em pouco mais de meia hora lá estava e não tive dificuldade em estacionar no parque. Mas logo aos primeiros momentos percebia-se que o espírito natalício já dali andava arredado. No que parece ser já uma tradição, talvez uma ou duas centenas de motards e motorizadeiros vestidos com trajes chineses de pais natais, andavam por ali para cima e para baixo a encher as ruas de roncaria e cheiro a gasolina queimada. Tomamos um bom café mesmo no centro, a 80 cêntimos com direito a uma pequena "castanha doce".
Em frente ao convento e na Praça Brandão de Vasconcelos, os ditos pais natais emprestavam ao local e ao ambiente um ar de Carnaval e fiquei na dúvida se por ali andava o espírito dele. Pareceu-me que não! Na igreja imponente, ladeada de motos e motorizadas, dentro dela apenas duas ou três pessoas e nem um único daqueles que lá fora se exibiam. Apesar da imponência da igreja e do seu ar barroco, o presépio era do mais simples possível, digno de uma qualquer ermida isolada no alto de uma serrania e ali captei um bocadinho do espírito natalício. Mas o ambiente de silêncio tão característico desse local de culto era apenas uma falsa sensação pois lá fora o barulho de motorizadas a roncar e motas a estourar com os escapes era ensurdecedor e remetia-me para um poço da morte numa qualquer feira popular ou para um Carnaval de Ovar ou de Torres Vedras.
Bem ao lado do convento, na sede da Associação dos Amigos de Arouca, estava patente, com entrada gratuita, uma exposição de presépios, mas ninguém a visitar, apenas o responsável que nos acompanhou para servir de cicerone. Uma amostra muito interessante e diversificada mas ignorada pelas centenas que enchiam as ruas e praças.
No átrio exterior do lado poente do convento, uma enorme tenda aquecida com muitos e variados quiosques dispostos lateralmente com bons produtos desde artesanato aos hortículas, com frutas, legumes, nozes, castanhas, azeite, charcutaria, bebidas e licores, etc. Tudo coisas boas e dos produtores locais para ajudar a uma boa ceia de Natal. Um bom espaço e bem organizado. Ali vi um bocadinho do espírito de Natal e até gastei algum dinheiro em nozes e artesanato alusivo à quadra.
Na ilusão de que entretanto os carnavalescos pais natais já se tinham ido embora, afinal devem ter ido reabastecer os depósitos e regressaram com todo o barulho, confusão e mau cheiro pois limitavam-se a andar por ali para trás e para a frente a mostrarem-se como se fosse algo extraordinário. Não foi, apenas uma vulgaridade bacoca, porventura mais adequada a carnavais ou desfiles de paradas gays. Mas isto sou eu a falar, que fui ali áquela bonita vila à procura de outro Natal, mesmo que com as expectativas baixas, mas percebi que isto do Natal simples, genuíno e ligado às origens e de matriz religiosa e espiritual, é apenas um faz de conta e coisa já passada, do antigamente. Agora os tempos são outros, mais dados ao antes parecer que ser e que a generalidade das pessoas gosta!
Ao deixar o parque de estacionamento tive dificuldades em saír, porque à boa maneira portuguesa os espaços destinados a acessos estavam ocupados. Mas polícias e guardas, porque também mascarados ou simplesmente ausentes, não os vi por ali a manter a ordem na desordem. Com dificuldade e várias manobras lá saí e regressei.
Em resumo, uma bonita tarde de Carnaval!