Anda por aí uma febre desmesurada, que não é de agora, mas tão nossa, genuinamente portuguesa, a de copiar e replicar coisas e eventos que vemos e invejamos no vizinho ao lado, na freguesia, vila, na cidade ou no estrangeiro.
Nesta onda do "também nós podemos e somos capazes", são mais que muitas coisas que têm sido replicadas. Senão veja-se: São os baloiços, implantados em tudo quanto é portela, monte ou serra; Os passadiços, essas estruturas em madeira começaram a ganhar e a galgar terreno e como serpentes estão já em todo o lado, tanto em escarpas imponentes e desfiladeiros só acessíveis a águias e abutres como a bordejar insignificantes ribeiras e charcos.
Mesmo as pontes que para nada servem senão para entretar e pôr à prova medos ou coragem de turistas, também já são negócio de milhões e se Arouca tem miseráveis caminhos de cabras promovidos a estradas e aldeias sem redes de água e de esgotos tem uma dessas maravilhas da engenharia das coisas suspensas.
Também os eventos de entretenimento ditos de época estão na moda e assim temos viagens, festas e feiras romanas, medievais, napoleónicas, mercados recriados como os que se fazim nos tempos dos nossos bisavós e outras que tais em várias aldeias, vilas e cidades; Mesmo por cá na nossa Feira, de vaidades, não fazemos a coisa por menos e desde a interminável churrascada da Viagem Medieval no Verão à sombra do castelo que se desmorona no Inverno, temos ainda o mundo do faz-de-conta chamado Perlim, a entreter crianças e adultos, também a condicionar trânsito e acessos a quem tão somente quer ali pacatamente à baixa tomar chã e comer fogaça.
A criançada também não está dispensada destas réplicas e já não faltam, por tudo quanto é sítio, parques temáticos, vilas natais, feiras e feirnhas, mercados e mercadinhos de Natal, dos mais sofisticados com arenas de gelo aos mais simples; Depois, mesmo que a perder espaço, porque o Natal já pouco tem de religioso, há ainda os presépios, simples à moda napolitana com figuras de barro sobre cascos de cortiça atapetados de musgo, aos mecanizados ou com figuras ao vivo.
As iluminações, essas coisinhas a piscar, coloridas e brilhantes, em que as autarquias gastam balúrdios do orçamento a enfeitar pinheiros naturais e artificiais, a arcar ruas, praças e largos, a delinear cruzeiros, capelas e igrejas, são já atracção em várias cidades e para elas organizam-se excursões com dezenas de autocarros cheios de curiosos. Em Vigo, Espanha, por tanta afluência de locais e sobretudo portugueses, a assistir a esse céu brilhante tem sido um inferno para os moradores, com ruas entupidas de multidões, mesmo a ponto de obstacularizar o normal fluxo do trânsito e até mesmo situações de emergência médica; Por cá e para cá há excursões e filas de trânsito para entrar em Águeda e em Óbidos, propagandeada como Vila Natal, no que tem sido um quebra-cabeças e dores de cornos e filas intermináveis nas bilheteiras e nas ruas apertadas para sentir essa coisa tão larga e comercial traduzida como espírito de Natal;
Estamos nesta!
Mas a coisa não se fica por aqui e mesmo no entretenimento desportivo as provas de corridas, com designações parolamente a abusar dos inglesismos, são um negócio da china e é ver os calendários nas empresas que as organizam, promovem ou controlam para ver que do Minho ao Algarve, dos Açores à Madeira, são mais que muitas e todas a reunir rebanhos de atletas, dos verdadeiros e vitaminados aos aspirantes, dos que acabam as provas em passo de lebre como se quenianos ou etípoes, aos que as terminam com horas de atraso e sofrimento nas pernas e no rosto mas com a mesma publicitada satisfação de um épico dever cumprido. Desde Lisboa ao Porto, do litoral ao mais humilde lugarejo no Portugal interior desertificado, todos querem ter a sua prova de corrida ou trail.
Estamos e continuamos nesta!
E tudo isto é positivo? Ou negativo? Nem sim nem não, antes pelo contrário, até porque tudo se resume a ganhar e gastar dinheiro, esse binómio que dizem que faz movimentar as rodas do mundo e a engrenagem da sociedade, mas é sobretudo um exagerado exagero e a prova provada que hoje em dia, muito à conta das modas, das tendências (trends) e redes sociais que as ampliam e dão espaço aos egos colectivos e individuais, damos um excessiva e desmesurada importância às coisas, mesmo às que a não tem, a ponto de nos surpreendermos com a mais insignificante, corriqueira ou normalíssima delas.
Estamos nesta!
Compreendo que assim seja e será, mas para quem tem já muito caminho trilhado e já viu de tudo e de muito, começa a faltar a paciência para estas novas réplicas de replicações. Andamos por aí a apregoar que a China não sabe mais que copiar o que os outros fazem, desde um isqueiro a um avião, passando por relógios e mercedes, e nós, pobres tugas, nesse campeonato de copiar e replicar damos cartas e deixamos os chineses, eles próprios, de olhos em bico.
Estamos nesta!