O "Festival RTP da Canção" parece que vai fazer agora 60 anos, sendo considerado o programa de entretenimento mais antigo da televisão portuguesa. Começou em 1964, então como "Grande Prémio TV da Canção Portuguesa".
Costuma-se dizer que em equipa que ganha não se mexe ou como numa boa receita de culinária não se toca, mas como neste aspecto a nossa RTP nunca acertou com os ingredientes certos nem com o tempo de cozedura, desde que a nossa televisão começou a ser colorida, o seu festival de canções inverteu-se e desde então tem sido de um cinzentismo escuro e nem os cada vez maiores palcos, quantidade de luzes e efeitos, tamanho dos cenários estapafúrdios e virtuais e ainda o desfile de apresentadores e apresentadores em trajes de gala e com generosos decotes, têm trazido luz e cor à coisa. E sobretudo qualidade.
Além do mais, quando se põem os tele-espectadores a decidirem a coisa com telefonemas que dão boa receita, tudo se conjuga para que não passe anualmente de um entretenimento sem grande interesse no que a qualidade musical e artística diz respeito. Depois, invariavelmente, o teste no palco europeu do Eurofestival, também repetidamente, com raras excepções, confirma que não fomos talhados para estas coisas e assim temos andado lá pelos fundos da tabela e a ouvir dos júris: Portugal, one point!
A vitória do Salvador Sobral em 2017 foi de facto uma muito boa excepção, a confirmar a regra, por um conjunto de motivos, mas mesmo ela sem qualquer deslumbramento e também a fazer prova que pelo teste europeu a coisa tem andado nivelada por baixo. De resto, tanto na Europa como em Portugal, que lhe segue as tendências, este concurso na sua essência há muito que deixou de ser musical em detrimento de uma miscelânia mediática de efeitos visuais que se permitem arregalar os olhos também entopem os ouvidos.
Mas é o que é e não passará disto por mais que todos os anos, como aprendizes de alquimistas, se inventem novas fórmulas e se arregimentem velhas e novas caras.
Neste ano de 2024 parece que vão ser 20 autores que simultaneamente são apresentados como compositores e intérpretes, como se isso seja garantia do que quer que seja. 14 terão sido escolhidos pela RTP e os restantes por submissão directa. Há muito que até essa componente democrática dos primeiros anos, em que em teoria qualquer um poderia concorrer, acabou e os critérios de escolha têm sido manhosos ou discutíveis. Até tivemos (em 1976) um único cantor (Carlos do Carmo) a interpretar todas as músicas. O próprio nome do festival foi alterado várias vezes e somente a partir de 1979 é que se fixou no actual mas mesmo assim agora tratado apenas como "Festival da Canção" seguido do ano correspondente. Não se pode, pois, dizer que não tenhamos tentado de todas as formas e feitios. Seja como for, basta atentar no nome de alguns dos artistas para o concurso deste ano de 2024 para se adivinhar o que aí vem: Assim vamos ter um Bispo, um Buba, um Huca, um Borch, uma Mila, uma Mela, um No Maka e um Silk, entre outros. Bem sei, são só nomes, mas agora parece que quase ninguém tem nomes próprios.
Não tenho nenhum preconceito com este festival e muito menos com a música portuguesa. De resto musicalmente não sou preconceituoso e tenho apenas dois tipos, a que gosto e a que não gosto. É certo que a que gosto é rara como o atum em mar de sardinha, mas há ainda boa música e músicos e daquela e daqueles que não precisam dos empurrões dos média que como Midas, num toque de mágica, transformam merda em ouro. O que não falta por aí no panorama musical português é merda, mas, se servir de consolo ou atenuante, da boa. Mas, como qualquer coisa que se vende, é porque há quem compre ou consuma.
Posto isto, dê as voltas que der, este velhinho Festival RTP da Canção não passará de um pingarelho anual, uma laranja seca da qual se procurará extrair sumo que não tem, sendo que nestas coisas haverá sempre Fanta e outros refrigerantes que parecerão saborosos mesmo que sintéticos e a fazerem mal aos triglicerídos e colesterol e ainda a aziar a vesícula.