Momentos de vivência do Carnaval na freguesia de Guisande - 1960
Poderão os mais novos pensar que nos antigamentes o Carnaval passava ao lado dos guisandenses, mas naturalmente que não. É certo que sem as modernices actuais, decorrentes da contaminação de carnavais de outras paragens, mas havia alegria porventura mais genuína e popular.
É certo que em Guisande as manifestações ligadas ao Carnaval nunca foram marcantes nem consequentes e regulares no tempo a ponto de estabelecerem uma tradição com raízes, como, de resto, nas demais freguesias vizinhas. Manifestações mais ou menos organizadas e com regularidade são raras e relativamente recentes, nomeadamente na freguesia vizinha de Caldas de S. Jorge onde o contexto turístico das termas em muito ajudou a essa dinâmica e continuidade, com mais ou menos soluços.
Apesar disso, são conhecidas e ainda lembradas pelos mais velhos algumas carnavaladas episódicas e com preponderância num ou noutro lugar da freguesia e por vezes pelo impulso de uma ou outra figura mais característica desses lugares. As fotos de cima ilustram alguns momentos de crianças e jovens com ligações às dinâmicas da paróquia.
Por exemplo, no lugar do Viso, recordo que nos meus tempos de criança e adolescente, por isso pelos idos anos de 1960 e 1970, o Carnaval marcava sempre presença e sempre com a intervenção da criançada. grosso modo, o grupo tratava com tempo de ir ao mato colher um carvalho de porte adequado, que era arrastado para a borda do Monte do Viso, próximo da escola e ali era fixado ao alto. Depois era um arrastar contínuo de lenha do mato e tudo o que pudesse arder, incluindo velhos pneus e trapos, de modo a amontoar à volta do carvalho, como se de uma árvore de Natal se tratasse. No cimo da árvore pendurava-se um grande espantalho.
Ao princípio da noite, quase sempre após o jantar, era o momento esperado, o acender do fogueirão o qual pela sua dimensão seria visto em toda a parte baixa da freguesia. A imagem acima de algum modo ilustra o que de semelhante então acontecia no lugar do Viso. Claro, escusado será dizer, que quando o dia de Carnaval calhasse num dia de chuva era um cabo dos trabalhos para fazer arder a árvore e aí recorria-se a petróleo e a lenha e moliço secos para ajudar a engrenar.
Nessa altura do acender da fogueira os mais velhos também vinham assistir. Noutros lugares da freguesia, como Estôze e Casaldaça, também era comum o acender de fogueiras ou borralheiras. Paralelamente, as habituais brincadeiras de crianças com o uso de bisnagas de água, algumas mais sofisticadas na forma de peixe e pistola e que por esse altura se compravam como brinquedos, na quitanda das Quintães. Também, para as meninas, o atirar do pó-de-arroz e outras matreirices. Era sem dúvida um dia de brincadeiras alegres e num tempo em que as crianças brincavam na rua, muito ou totalmente ao contrário do que sucede nos tempos modernos.
Era, pois, um simbolismo genuíno, mesmo que então pouco compreendido, do queimar do tempo velho e a preparação para o tempo novo ao qual se transitava pela carestia da Quaresma, a qual por esses tempos era vivida com algum rigor, no que respeita ao respeito pelo jejum e abstinência bem como da participação nos serviços religiosos, como a reza do Terço e a Semana de Pregações.