Eu pecador me confesso: Comecei a trabalhar numa fábrica um mês antes de completar 12 anos de idade. O meu ordenado começou em 900 escudos. Saí dessa fábrica para cumprir o serviço militar obrigatório, que durou 2 anos completos, em que o valor do pré recebido não dava sequer para as viagens de comboio de Espinho a Lisboa, mesmo que com direito a desconto, quanto mais para outras coisas da juventude. Felizmente não fumava nem bebia. Foram-se as poupanças porque dos pais também não podia esperar ajuda e mesadas é coisa de meninos ricos ou com papás bem remediados e até esses arranjavam quem os livrasse, nem que fosse por uma unha encravada.
Terminei a tropa e vi-me sem emprego porque na fábrica entretanto matara-se o patrão e encerrara a actividade e ainda com algum dinheiro por receber e que jamais recebi. Não tive nem nunca tive subsídio de desemprego e tive que rabiar a arranjar ocupação, mesmo que precária, até chegar a emprego com maior estabilidade o que aconteceu ainda antes de casar.
Depois casei, comprei terreno, fiz projecto e construi casa, e literalmente, porque com muita mão-de-obra dispensada porque o dinheiro era contado e em parte com um empréstimo que, na parte final, ainda pago e sem incumprimento ao longo de quase 25 anos. Criei e eduquei filhos, cães e gatos, e continuando esse encargo filial mesmo já depois de adultos. Pelo meio, com muita actividade cívica e associativa que me orgulha, consegui completar formações profissionais e escolares e obter o nível secundário e andam por aí doutores e engenheiros a quem não lhes reconheço mais competência ou conhecimentos, mas as coisas são mesmo assim, porque neste país um burro carregado de livros há-de ser sempre doutor. E isto, pouco ou muito, sempre sem qualquer apoio ou subsidiozito.
Dizia o poeta cubano José Martí que "Há uma coisa que um homem deve fazer na sua vida: plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro." Ora árvores plantei muitas, filhos tive dois e livros já escrevi também dois e ainda outros em projecto. Assim, a ter em conta essa filosofia, o dever foi cumprido.
Neste simples percurso de vida pouco ou nada recebi do estado social, incluindo, felizmente, por situações de baixa médica, mas a ele, pelo contrário, sempre paguei e continuo a pagar, impostos, contribuições, desde parte dos rendimentos de trabalho, a IMI da casa que construí com o meu esforço, IUC, como IVA em cada rebuçado chupado, em cada cerveja bebida, em cada litro de gasolina gasto e pão comido. Consultas e exames e um ou outro episódio de urgência médica foram sempre, graças a Deus, raros e rápidos. Apesar disso, e porque agora preciso, uns exames prescritos e marcados no Hospital da Feira vão já no 4.º reagendamento e um ano depois não tenho certeza de quando virão a ser feitos. Se tentar marcar hoje uma consulta no médico de família arrisco-me que seja atendido só lá para a Festa do Viso, em Agosto. É este o nosso SNS tão ideológica e radicalmente avesso a outras opções que deem respostas a quem delas precisam. Mas há quem o defenda assim, sem tirar nem pôr. Perguntem ao neto do sapateiro, o que acha do assunto!
Este é o meu exemplo, retrato comum e vulgar, mas como ele ou semelhante no percurso, o de muitos milhares de portugueses mais ou menos da minha geração, que não nasceram de cu para o ar ou em palhas douradas, e que tanto deram a este país e pouco ou nada receberam para além de pagar impostos, adiamentos de consultas e exames, multas por dá cá aquela palha e outras desconsiderações como uma reforma tardia mesmo para quem começou cedo, mesmo cedo demais.
Alguns, mais espertos ou mais ousados, pelo menos foram para outras bandas onde o rácio do dar e receber é bem mais justo e alguns até por uma simples dor de cabeça ou um osso amassado por terras da estranja, e que aqui seriam ossos do ofício porque trabalham no duro velhos e coxos, vivem de há anos com rendimento mensal garantido, sem fazer puto, usufruindo de uma larga e dourada reforma. Por aqui, com esses atributos, só mesmo alguns felizes reformados de um certo funcionalismo público que em certo tempo teve tetas fartas.
Mas são diferentes os tempos e até temos um partido de um homem só que quer criar uma Herança Social para ajudar os jovens entre os 18 e os 35 anos, para começarem a vida, eles que até essas idades limitaram-se a ser encargos pesados para os pais, tantas vezes hipotecando alguma folga na reforma, gastando e investindo nos filhos recursos minguados.
Esta é a realidade e o tempo da subversão das ideias e ideais e sempre à custa de quem trabalha e produz. Certos políticos extremados têm inveja ou mesmo um ódio de estimação a quem produz e a quem teve a descaradeza de trabalhar e poupar. Por ora, armados em robins dos bosques, a apalogia de dar a cana e ensinar a pescar é uma merdice, uma treta, porque o que se vai defendendo é dar o peixinho pescado e se possível limpo de tripas e já temperado. Mais uns tempos à frente e o peixe será servido em louça da Vista Alegre, pronto a meter-lhe os dentes.
Sou a favor do Estado Social e dos justos apoios a quem realmente deles carece, com critérios de aplicação rigorosos e escrutinados a todo o momento, mas não o que promove e apoia a sornice, a subsídio-dependência, o chico-espertismo, e sobretudo sem respeitar, em contraponto, quem trabalhou, trabalha e cumpre deveres e obrigações.
Que estranhos tempos estes em que se desrepeita quem fez pela vida mesmo que em condições difíceis. Esta gente ou anda a beber e a fumar coisas estranhas, ou a tomar comprimidos para bater na tola, ou então vive numa bolha muito singular mas em ambos os casos a pedirem que os mandem para aquele sítio onde apanhar sabonetes do chão é perigoso.
Desculpem qualquer coisinha os mais sensíveis, mas chegado a esta idade já não há pachorra nem paciência para aturar certos desmandos e para certas pessoas e políticos, pouco mais resta que mandá-os todos à merdinha, isto para ser diplomático e não responsabilizar as mãezinhas que, sem culpa, os pariram.