9 de fevereiro de 2024

Vazio


Na minha aldeia havia uma escola

Que se enchia de crianças

Aprendendo a escrever, 

A ler,  a juntar letras

Numa descoberta de saber,

A contar, a fazer contas,

A somar esperanças,

A subtrair a ignorância,

A dividir amanhãs com mais sol.

A imaginar histórias, 

Contadas e pintadas.

Diziam a uma voz as tabuadas

Como na igreja a rezar avé-marias.

O recreio era todo folguedos,

Corridas, trotes e galopes,

Jogos, brincadeiras,

Um palco de heróis fingidos,

Nas aventuras duras e reais.

Eram assim os dias, 

A encher as cabeças de ensinamentos

Como de água os cantis, os caminhantes

Antes de atravessar desertos.


Mas os tempos trouxeram a mudança

Como o vento de sul a anunciar chuva.

Foram saindo e crescendo,

Fazendo-se homens e mulheres,

Pedras duras do edifício da vida.

Mas num renovar minguado,

Na velha escola as algazarras

Foram perdendo fulgor e voz

E os companheiros mais solitários.


Um dia, por fim, o fim.

Alguém anunciou

Que não já não havia crianças.

A escola fechou, emudeceu.

Os ecos das leituras,

O cheiro dos lápis de cor,

Deixaram-se de se ouvir

E perderam o aroma.


Na minha aldeia

A escola já não é ela

Mas ainda lá está, triste,

Arrumada noutros ofícios,

Mas ainda a guardar memórias e ecos.

Na minha aldeia os caminhos

Já não fervilham de labuta

Pelo pão de cada dia.

Os campos já não dão pão,

E as águas são lágrimas perdidas.

Muitos partiram ou morreram,

Todos envelheceram.


É agora, a aldeia, um  triste casario, 

Quase sem gente dentro,

Sem vizinhos, 

Bons dias ou boas noites,

Como um crepúsculo permanente 

Onde a noite espera para a amortalhar

E a foice o resto ceifar

Deixando um restolho de nada,

O vazio.