Não, não pretendo copiar a rubrica do jornalista Luís Osório, que bem melhor do que eu escreve, mas de quem nem sempre estou de acordo, porque também muito cingido a uma agenda politicamente correcta, mas porque postais do dia se deparam a qualquer um que tenha olhos e cabeça entre as orelhas. Olhar para o lado de pouco serve.
Ontem houve funeral em Guisande, com uma grande participação de que não tenho memória em tão grande número, senão o mais participado, seguramente um deles, quer por uma boa parte da comunidade local, quer de gente vinda de fora.
E compreende-se o motivo: Dava-se sepultura a uma pessoa filha da terra, filha de boa gente e família, e que Deus permitiu que fosse praticamente a meio de uma vida que se espera a um ser humano. Mas também sabemos que as contas de Deus, ou do destino para quem menos dado a esta amplitude da fé e crenças espirituais, não se fazem assim de forma académica, matemática, estatística. Todos sabemos que o mais comum é morrerem os mais velhos, mas pelo meio são muitos, e infelizmente cada vez com maior predominância, os que vão em idades jovens, na flor da vida, seja por acidente, porque cada vez mais nos expomos aos perigos, seja por doenças fatais, por incidência genética mas em muito pelo modo de vida que levamos, pelo que comemos e bebemos, pelos medicamentos que ingerimos por tudo e por nada.
Se é certo que já não se morre por causas que no passado eram comuns e frequentes, desde logo a falta de vacinas, cuidados médicos e hospitalares , ainda por má nutrição e condições deficientes de higiene, a verdade é que tem vindo a aumentar a prevalência de mortes em idades consideradas jovens.
Seja como for, são contas e desfechos sempre imponderáveis e até que a ciência médica, já tão desenvolvida, chegue a um ponto de nos imortalizar ou prolongar a vida para além dos limites que consideramos actualmente como expectáveis, seremos sempre confrontados com mortes relativamente prematuras, como agora com a Maria do Rosário Giro, a Rosarinho para os mais chegados. Acontece a cada momento e em cada lugar, mas só damos conta do drama e profunda tristeza quando a fatalidade nos bate à porta, nos chega a casa, aos nossos, aos próximos, à comunidade.
Mas dizia, partiu a Rosarinho e às suas cerimónias fúnebres acorreram familiares, amigos e de um modo geral todos quanto tinham relações familiares, de amizade pessoal, de mera relação comunitária ou até mesmo profissional ou de outras ligações. Concerteza que a maioria só conhecia a Rosarinho de forma circunstancial e por conhecimento da sua relação com os demais familiares, desde logo o falecido pai, a mãe, os dois irmãos, o marido e a filha, e por isso ali estavam não tanto, a maior parte, pela homenagem pessoal a quem partiu mas em solidariedade para com quem cá ficou com a dor e a tristeza pela partida de um dos seus de sangue e de relação. É assim em todos os funerais e percebe-se.
De facto a Rosarinho, que naturalmente bem conhecia desde criança, e de um modo geral a freguesia, pelo rumo próprio que deu à sua vida pessoal, familiar e profissional, com certeza que já não era uma pessoa de muita ligação à nossa paróquia nem foi dela participativa nos diferentes contextos. Todavia, era uma das nossas, e nestas coisas uma comunidade expressa-se sempre de forma sentida e comovida e a tristeza e pesar da família é também partilhada por cada um de nós. E quem passou por elas compreende o quanto é importante um abraço sentido, uma palavra de conforto e incentivo à coragem.
É nisto que uma comunidade local e pequena como a de Guisande tem de positivo. Terá já sido mais solidária, é certo, mas mesmo com os desligamento dos novos tempos, felizmente, ainda tem muito de seu e por isso na hora de partida de um dos seus, sobretudo quando nestas idades e circunstâncias, une-se e partilha a mesma dor e tristeza.
Assim, partilhei eu, e muitos dos presentes, um abraço sentido com o Rui Giro, de quem prezo ser amigo desde sempre, desde os 8 anos em que na escola primária partilhava comigo a sua caixa de 12 lápis de cor e depois no percurso e ligação que tivemos na Associação Cultural da Juventude de Guisande, no jornal, na rádio, no teatro, etc. E ainda depois na Associação “O Despertar”.
Igualmente um abraço de conforto à D. Célia, a mãe, a professora, que não chegou a ser a minha, mas que também pela relação que tinha com o Rui, era naturalmente muito chegado e frequentava a casa com regularidade. Da D. Célia, todos reconhecemos as suas qualidades humana e pessoal e Guisande, freguesia e paróquia, é toda uma comunidade que lhe reconhece valor e prestígio ou não passassem por ela gerações a quem ensinou a ler, a escrever e a fazer contas, certamente que escolares mas também de vida. É doloroso a qualquer mãe ver partir um filho, uma filha, mas certamente que mesmo que com uma imensa dor e tristeza saberá ainda dar esta úlitma lição, a da coragem que sempre se reconhece a uma mãe.
Também um abraço ao Alexandre, sempre bem disposto e positivo, apaixonado pelas pombas e que numa certa analogia vê agora uma pomba próxima partir para mais não regressar ao pombal da casa, à família. Ambos, mãe e irmãos, com certeza que terão a Rosarinho bem viva nos seus corações e nas suas memórias.
Do marido Paulo e da filha Leonor, naturalmente que só conhecidos de vista, mas neste momento de perda e dor, certamente que a esposa e mãe permanecerá viva e contarão com a família para de algum modo mitigar a perda e a dor. O tempo tudo cura, mas leva tempo, mas será sempre um desafio encontrar na tristeza e vazio algo que ajude a superar. É aqui que entra a fé e a esperança. Creio que ambos, a família, serão capazes de encontrar esse lenitivo.
Na missa de corpo-presente, celebrada pelo Pe. Benjamim e acompanhado pelo nosso pároco Pe. António, as palavras e a homilia do Pe. Benjamim foram sempre motivo de reflexão e emoção, porque com o seu peculiar estilo, fala de coração e recorrendo a testemunhos de muita gente que em circunstâncias parecidas, também viu partir e que acompanhou nos últimos tempos de vida. Emociona, faz soltar as lágrimas de comoção mas conforta e reconforta.
Bem sabemos que mesmo nestes casos, há sempre uma tendência do elogio fúnebre, fácil, por vezes aqui e ali com uma pontinha de exagero ou sobrevalorização das virtudes de quem se sepulta, mas é perfeitamente compreensível e de algum modo positivo se for num sentido de chamar aos presentes a importância que devemos dar às nossas vidas e da relatividade das mesmas, por isso a ter em conta o desfecho que a todos está por natureza destinado e como tal importará valorizar cada vez mais as coisas boas, as pessoas, as nossas relações humanas com vista à preparação do destino que a todos espera.
Com mais ou menos fé no que será o nosso destino depois da morte, é sempre bom e enriquecedor que enquanto por cá andarmos o façamos como se cada dia fosse o último e que no fim de contas, a nossa imortalidade permanecerá para quem quem cá fica, apenas pela memória e mérito do bem que formos capazes de fazer, quer a cada um de nós quer ao próximo ou à comunidade.
Dos fracos não reza a história e quem por cá passa de forma fútil e negativa, poderá ser lembrado por algum tempo, por poucos, mesmo que com despeito, mas dificilmente será lembrado e evocado para sempre e por todos. Facilmente cairá no esquecimento e permanecerá por todo o sempre sob a poeira do tempo.
Está em paz a Rosarinho e permanecerá viva entre a comunidade e seguramente entre os seus.