16 de julho de 2024

Memórias - As artes e ofícios em Guisande


Na nossa freguesia de Guisande, até meados da década de 1970, se quisermos até à revolução do 25 de Abril de 1974, o grosso da população dedicava-se à agricultura, mesmo que, pela natureza dos prédios e sua topografia, no geral de reduzidas dimensões, num regime de minifúndio, isto é, para rendimento e auto-sustento ou subsistência familiar.

Complementarmente ao que as terras produziam, essencialmente milho, centeio, feijão e mais tarde as batatas, para além dos habituais produtos da horta e pomar , eram comuns os animais, como gado bovino, quer como força motriz nos diversos trabalhos, quer como produção de leite e de carne sendo que esta essencialmente resumida à criação de porcos, animais de capoeira e a algumas ovelhas.

A partir desse período, as actividades industriais começaram a generalizar-se e com isso o aumento de fábricas na nossa zona, nomeadamente por S. João da Madeira e Arrifana, com predominância do sector do calçado, mas também e ainda mais próximo, na freguesia de Caldas de S. Jorge, com o aparecimento de fábricas como a Sóbrinca e Bébécar, e outras mais, como a Brinquel e a Fabruíma, dedicadas a produtos de puericultura e utilidades domésticas.

Ora algumas destas fábricas vieram a absorver muita dessa mão-de-obra até então dispensada ao sector agrícola, sobretudo de homens e rapazes, mas ainda algumas raparigas, garantindo às famílias um rendimento certo ao final do mês.

Com esta generalização do sector industrial, bem como do desenvolvimento da maquinaria e processos de produção electro-mecanizados, ainda a extensão da escolaridade obrigatória até altas idades e terminado o trabalho infantil, aos poucos foram-se perdendo as actividades até aí artesanais que comportavam saberes ancestrais.

Tomando como referências as profissões descritas em muitos dos assentos paroquias de Guisande, para além das mais comuns ligadas aos campos, matos e pinhais, como agricultores, lavradores, jornaleiros, carreteiros, ou serradores, existiam alfaiates, sapateiros, carpinteiros, ferreiros, cesteiros, tamanqueiros, pedreiros, costureiras, tecedeiras, rendeiras, etc.

Como já não sou rapaz novo, ainda me lembro de vários destes artesãos e de alguns até de os ver a trabalhar, como alfaiates, o Ti Delfim em Casaldaça e o Ti Joaquim Pisco na Igreja, costureiras como as Fonsecas, primas da minha mãe, a tecedeira Isabel do Moleiro, na Barrosa, o cesteiro Ti Manuel do Caseiro, em Cimo de Vila, o ferreiro Ti Raimundo do Reimão em Casaldaça, ainda carpinteiros, sapateiros, etc.

Hoje em dia, e já de há muito tempo, porque deixaram de compensar tais artes nem foram passados os ofícios, já nada existe para além das memórias. E mesmo algumas coisas materiais que pudessem servir de testemunho, como um tear e bancas de carpinteiro ou sapateiro ou forja de ferreiro, há muito que foram desmanteladas e o que fosse de arder queimado foi, e o resto lançado para a sucata e calabouços do tempo.

Pode-se ter pena e uma saudade bucólica dessas artes e ofícios, mas o tempo e as mudanças inerentes não se compadecem com lirismos e por isso tudo subjuga à produção mecanizada, em série mesmo que impessoal. 

Face a esta fatalidade, imparável, pelo menos que se guardem as memórias de quem ainda as tiver, e se perpetuem, incluindo os nomes de quem, nos diferentes tempos, soube fazer com arte e mestria o dia-a-dia d euma terra, de uma comunidade.