9 de janeiro de 2025

Amor à nossa terra - As diferentes dimensões

Procurando a definição do que é o amor à terra em que nascemos, de onde irradiam as mais fundas raízes, onde os nossos ancestrais lutaram e deram corpo a fazer de terras incultas campos férteis e de colinas e montes de tojo e urze, bosques produtivos, confesso que sinto-me sozinho, até mesmo desamparado na jornada. Mas exagero. Há, ainda bem, bons exemplares, bons guisandenses, em quantidade e qualidade, não só dos que marcham comigo desde essas passadas gerações, mas mesmo nos mais novos. Estes, em particular, são poucos mas bons, mesmo que ainda não assumam plenamente esse amor à terra, às suas coisas e gente, do passado e do presente e nem sempre apareçam quando é preciso dizer presente porque, mal geral, mesmo meu, admito, frequentemente procuramos estar de bem com Deus e com o diabo, umas vezes por tolerância e compreensão outras por calculismo, cobardia e conveniências pessoais ou corporativas.

Mas o amor à terra, no caso a Guisande, é o quê em concreto? A resposta é muito simples e simultaneamente complexa e pode definir-se de vários modos e que, para melhor entendimento, de acordo com o meu entendimento, divido nas seguintes dimensões:

1 - Dimensão identitária e cultural:

- A terra natal, a nossa aldeia, molda nossa primeira compreensão do mundo;

- As tradições locais, os modos de falar, os usos e costumes formam nossa identidade básica;

- A memória colectiva da comunidade torna-se parte da nossa história pessoal;

- Os rituais e festividades da aldeia criam um sentido de pertença, de orgulho;


2. Dimensão sensorial e afectiva:

- As paisagens familiares criam um mapa emocional na nossa mentalidade e moldam as nossas percepções de lugar, de espaço, incluindo os cheiros, da terra, das plantas, da cozinha, os sons característicos, da natureza, dos animais, das coisas, como o toque do sino; O clima e as mudanças sazonais que conhecemos intimamente e que marcam os nossos ritmos pessoais e sociais.


3. Dimensão social:

- Os laços familiares profundos e multi-geracionais, recebidos como legado ou herança dos nossos ante-passados:

- Os relacionamentos de proximidade com vizinhos e toda a teia de relações, no lugar ou no conjunto da comunidade;

- Conhecimento mútuo, apoio recíproco, sentido de comunidade e história compartilhada entre famílias.


4. Dimensão espacial:

- O conhecimento íntimo da geografia local, a familiaridade com cada caminho, cada curva, cada ponte, cada muro, cada pedra;

- A conexão com lugares específicos que guardam e nos remetem para memórias pessoais ou comunitárias;

- Sentido de protecção e segurança no espaço conhecido, como o nosso reduto, o nosso refúgio.


5. Dimensão temporal:

- O ritmo mais lento e natural da vida, a ligação com o passado através de mitos, lendas e histórias locais. A presença constante das tradições, mesmo que renovadas pelos imperativos dos tempos.

- O ciclo das estações marcando o tempo, as sementeiras, as colheitas, as festividades locais e religiosas.


6. Dimensão ecológica:

- Relação próxima com a natureza local e o conhecimento dos ciclos naturais;

- O conhecimento profundo e compreensão do território e seus recursos, a fauna e a flora, as águas, as nascentes, os ribeiros, os moinhos, as represas, as levadas, etc.

- A ligação profunda e afectiva com a terra através da agricultura, no respeito pelo que representaram na subsistência de famílias.


7. Dimensão psicológica:

- Sentido de enraizamento e pertença;

- Estabilidade emocional através da familiaridade e suas relações;

- Construção da identidade pessoal e comunitária;

- Segurança ontológica - sentido de existência e lugar no mundo.


8. Dimensão narrativa:

- As histórias locais que são passadas de geração em geração;

- Os mitos e lendas próprios de cada lugar, até de família, da comunidade;

- As narrativas familiares entrelaçadas com o espaço;

- A biografia pessoal e familiar inscrita no território.


Em resumo, este amor à terra natal numa aldeia como Guisande é particularmente intenso porque:

- A escala humana permite um conhecimento profundo do lugar;

- A proximidade cria laços sociais e afectivos mais fortes;

- O isolamento relativo intensifica o sentido de comunidade;

- A permanência das famílias cria continuidade e perpetuação histórica;

- O ritmo mais lento, que em meios urbanos, permite uma conexão mais profunda;

- A relação directa com a natureza fortalece o vínculo com o território.

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Resulta de todas estas considerações que é um amor que se manifesta como:

- Saudade profunda quando ausente;

- Orgulho das particularidades e tradições locais, muitas delas singulares, únicas;

- Desejo de preservar e proteger;

- Sentido de responsabilidade pela comunidade;

- Conexão emocional com o território, com o espaço;

- Vontade de transmitir todos estes valores às próximas gerações.


Amo a minha terra. E amo porque, mesmo não mais do que outros, e vale o que vale, prezo-me por conhecer Guisande, cada caminho e rua, cada curva, cada árvore, cada nascente, cada represa, cada regato, cada moinho em ruínas, cada pedra que em forma de marco definia o território.

Conheço o património comum, as capelas, a igreja, as suas singularidades, parte do seu passado e presente. Conheço em cada lugar cada casa, a quem pertencem e quem nelas mora ou morou. Conheço as famílias, chamo as pessoas pelos nomes, conheço os pais e os filhos, Claro que não de todos, especialmente os mais novos, até porque a memória já me prega partidas, mas a maior parte. 

Claro está que não pode ter amor à terra quem nada disto compreende nem nada conhece, e mesmo que nascido por cá, não conheça mais que a frente da rua onde vive e a casa onde habita. Saindo dela para fora tudo lhes parece igual, seja aqui, em Lobão, Fiães, Lourosa ou Ermensinde. Não podem, pois, amar a sua terra nem compreender o que isso implica e que atrás procurei detalhar.

Para terminar esta reflexão ou, que para muitos não passará de uma mera lengalenga, seria bonito que tudo isto fosse praticado e valorizado em todos os momentos e lugares, em defesa da nossa terra, da nossa aldeia, de Guisande. Todavia, infelizmente, para usar as palavras do companheiro Carlos Cruz, por ora vai “reinando a indiferença”. Mas importa preservar e perseverar!


-Américo Almeida