Num recorte de jornal de 5 de Abril de 1975, dava-se conta de uma sessão de Dinamização Cultural Promovida pelo Movimento das Forças Armadas, no Salão Paroquial de Guisande, em 22 de Março desse ano e no dia seguinte, 23, realizou.-se uma sessão de esclarecimento pelo MDP/CDE.
Diz-nos a notícia que ambos os eventos decorreram com boa assistência, com educação e ordem. Recordo-me de estar presente mas, como criança mais curiosa que interessada, retive poucos pormenores, para além algumas intervenções inflamadas de jovens com bigodaças, golas altas e calças à boca de sino, e de vivas ao povo e às forças armadas como então era corrente. De cultura propriamente dita, de nada me recordo, apenas política.
CONTEXTO:
Após a Revolução de 25 de Abril de 1974, foram concebidos diversos programas, tanto públicos como privados, com o objetivo de promover a melhoria das condições sociais, económicas e culturais da população portuguesa. Entre essas iniciativas destacavam-se o Serviço Cívico Estudantil, as Campanhas de Alfabetização, a Educação Sanitária, o Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL), o Serviço Médico à Periferia e as ações da Pró-UNEP no domínio da alfabetização.
Neste mesmo contexto inseriam-se as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica, levadas a cabo pelo Movimento das Forças Armadas (MFA). Assumindo o papel de agente libertador de uma sociedade submetida a quase cinco décadas de ditadura, o MFA, em articulação com a Direção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos, impulsionou estas campanhas com o intuito de divulgar e explicar os princípios do seu programa revolucionário – considerando-se que: «era preciso explicar ao povo português o programa do MFA».
Acreditava-se que, através destas ações de dinamização cultural, seria possível dar resposta às carências das comunidades locais e, ao mesmo tempo, fomentar a sua participação activa no processo revolucionário. Pretendia-se ainda transformar a percepção das Forças Armadas, tradicionalmente associadas ao aparelho repressivo do Estado Novo, promovendo uma nova relação de proximidade e confiança com a população. Claro está que, em rigor nada disso se concretizou nesse período revolucionário e só depois de consolidade a democracia e da adesão à UNião Europeia, é que as coisas foram evoluindo mas ainda hoje, passados 50 anos, com muito por cumprir e com o país a viver sempre acima das suas possibilidades, com uma enorme dívida pública. Não temos tido políticos nem políticas à altura.
QUANTO AO MDP/CDE:
O Movimento Democrático Português / Comissão Democrática Eleitoral (MDP/CDE) destacou-se como uma das principais forças da Oposição Democrática ao regime do Estado Novo em Portugal, antes da Revolução de 25 de Abril de 1974. Criado em 1969, operava através de comissões democráticas eleitorais, com o objetivo de intervir nas eleições legislativas e afirmar uma alternativa política ao regime.
Em 1973, marcou presença no Congresso Democrático de Aveiro, um acontecimento simbólico e decisivo na resistência à ditadura.
Com a queda do regime, o MDP evoluiu para partido político e participou em todos os Governos Provisórios, à exceção do VI. Concorrendo de forma autónoma à Assembleia Constituinte de 1975, viria posteriormente a integrar, a partir de 1976, a coligação Aliança Povo Unido (APU), juntamente com o Partido Comunista Português (PCP).
A cisão com o PCP em 1986 motivou a saída do MDP da Coligação Democrática Unitária (CDU) e a apresentação de listas próprias nas legislativas de 1987. Foi nesse contexto que um grupo de militantes dissidentes fundou a Intervenção Democrática (ID), que permanece até hoje como membro da CDU, ao lado do PCP e do Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV).
Finalmente, em 1994, o MDP uniu-se ao colectivo responsável pela revista Manifesto, dando origem ao movimento Política XXI, uma das forças fundadoras do Bloco de Esquerda.
Em resumo, as campanhas de dinamização cultural, que se iniciaram em outubro de 1974 e se estenderam até 1976, tinham como objectivos estratégicos promover o programa do MFA, informar as populações sobre a importância do voto como acto cívico e dar visibilidade nacional ao 25 de Abril. Ao longo desse período, foram realizadas mais de 2.000 ações de dinamização cultural e de intervenção cívica.
Em rigor estes eventos em Guisande, como um pouco por todo o país, eram essencialmente eventos de cariz político e mesmo doutrinário, e por esse tempo este movimento MDP/CDE, porque com alguns simpatizantes na freguesia, teve alguma acção ao nível da propaganda, com uma certa actividade, nomeadamente na distribuição de panfletos, pinturas nas estradas e muros.
Passado algum fulgor desses primeiros tempos pós revolução, o movimento perdeu gás e acabou mesmo por se extinguir derivando para o que veio a ser o BE-Bloco de Esquerda.
Vários desses elementos de Guisande mantiveram-se como de esquerda mas na generalidade derivando para uma esquerda menos radical, nomeadamente para o PS - Partido Socialista. Alguns, mais ferrenhos, mantiveram a ligação ao Partido Comunista, mas, como o provam os resultados, sem qualquer expressão eleitoral ou social e os votos nunca passaram de meia dúzia.
Em todo o caso, é com saudade que pessoalmente recordo esses tempos pós revolução embora vistos com os olhos de criança.