Será já no próximo sábado, dia 27 de Outubro, que na freguesia de Pigeiros ocorrerá a inauguração da Biblioteca Pe. Domingos Azevedo Moreira - Abade de Pigeiros, com o espólio documental deixado por este, testamentado a favor do município de Santa Maria da Feira.
Presidirão à cerimónia os presidentes da Câmara Municipal e da Junta da União de Freguesias local.
Apesar da pompa e circunstância, o acontecimento está revestido de alguma pré-polémica quanto ao esgrimir de responsabilidades sobre o local que acolherá o espólio (antiga sede da Junta de Freguesia de Pigeiros em vez do Centro Cívico Feliciano Martins Pereira). De resto, refutando acusações do Vereador da Cultura do município, o ex autarca pigeirense, que dá nome ao Centro Cívico, respondeu e esclareceu por escrito em jornal concelhio, negando ("...
em defesa de carácter e dignidade") quaisquer responsabilidades e remetendo as mesmas para a Câmara, ao encolher o projecto do Centro Cívico.
Nota à margem: Sobre o assunto do projecto e seu propósito, escreveu o Sr. Pinto da Silva, das Caldas de S. Jorge, em Maio de 2016 um
artigo em que põe o dedo na ferida de alguns aspectos do processo inerente à criação da biblioteca e a sua mudança para o actual espaço. No fundo, feridas que ainda parecem doer e que fazem gemer alguns dos intervenientes e daí a polémica. Resta saber se após a cerimónia da inauguração essas feridas vão sarar e cicatrizar).
É uma polémica que se lamenta. Mesmo que não conhecendo em rigor as razões de fundo e delas poder identificar as verdadeiras responsabilidades, certo é que a polémica existe e de algum modo veio acinzentar a inauguração. Todavia, mais do que a cerimónia, e o Pe. Domingos Moreira era tudo menos de cerimónias, a inauguração do espaço é um desfecho que se aguardava desde o falecimento do sacerdote, em Janeiro de 2011 e cumprindo-se o seu testamento (abaixo reproduzido). Creio que, tendo o testamento sido feito ainda em vida e sido aceite nas suas condições pelo município, seria de esperar que a obra já estivesse há muito concretizada. De resto, a ter em conta o testamento, esperava ainda o Pe. Domingos poder frequentar o respectivo novo espaço e aceder ao seu espólio. Infelizmente, eventualmente por precipitação do seu stado de saúde, tal não veio a acontecer durante a sua vida.
É certo que alguns pigeirenses na altura ficaram com um sentimento de algum desapontamento por verem o testamento dirigir à custódia do município o seu vasto e rico espólio documental (fala-se em cerca de 20 mil documentos entre livros, jornais e outros escritos e manuscritos) e não apenas à freguesia e paróquia, mas as coisas são como são e há que respeitar a última vontade do pároco. Certamente que a sua intenção, conforme expressa no testamento, foi apenas a de responsabilizar uma entidade que desse garantias presentes e futuras quanto à preservação e segurança do seu património.
O outro legado, porventura não menos importante, o do homem, humanista, estudioso e pároco dedicado e humilde, esse pertence em exclusivo aos paroquianos pigeirenses, mesmo que também na justa e devida parte às paróquias por onde passou e deixou marcas, como a de S. Mamede de Guisande, em que esteve como responsável durante 10 anos, para além da ligação ocasional que sempre manteve nomeadamente no tempo do Pe. Francisco Gomes de Oliveira.
Programa da inauguração:
16h00 – Missa Paroquial em memória do Padre Domingos Moreira;
17h10 – Romagem ao cemitério e aposição de flores no jazigo do Padre Domingos Moreira;
17h20 – Momento musical com o Ensemble da Banda Sinfónica de Jovens de Santa Maria da Feira;
17h50 – Sessão inaugural;
18h15 – Visita guiada à biblioteca.
Testamento do Pe. Domingos Azevedo Moreira (transcrito do blog das Caldas de S. Jorge, )
É um assunto de que várias pessoas me têm falado. Recentemente o Prof. De História de Arte, da Faculdade de Letras de Coimbra, Dr. Nelson Correia Borges, no seu estudo de antropologia cultural sobre o culto da Senhora da Boa Morte, ainda florescente no século XVIII, cita nas páginas 6 e 7 as sugestivas palavras do Pe. António Vieira nos seus sermões, edição Lello e Irmão, Vol. II, 1959, 187-188: “A morte tem duas portas: uma porta de vidro por onde se sai da vida; outra porta de diamante por onde se entra à eternidade. Entre estas portas se … se acha subitamente um homem no instante da morte, sem poder tornar atrás nem parar nem fugir nem dilatar senão entrar para onde não se sabe e para sempre […]”.
Aristóteles disse que entre todas as coisas terríveis a mais terrível é a morte. Disse bem, mas não entendeu o que disse. Não é terrível a morte pela vida que acaba mas pela eternidade que começa. Não é terrível a porta por onde se sai, terrível é a porta por onde se entra. Se olhais para baixo, um precipício que vai parar no inferno. É tudo incerto” e, cristãos, “se quereis morrer bem” “morrei em vida moralmente”.
Depois desta introdução, escrita com alegria ao som da banda musical minhota, irei começar.
Em nome de Deus, Amén.
A minha vontade, Padre Domingos de Azevedo Moreira, após conversações com os sobrinhos com quem vivo, e com o seu consentimento, é que a minha biblioteca seja cedida a uma instituição que me dê garantias da sua segurança, conservação, dinamização, de forma que esta seja sempre uma biblioteca viva. Assim, decidi ceder, como cedo, a minha biblioteca ao Município de Santa Maria da Feira nas seguintes condições:
a) Biblioteca especial (cujo critério de selecção será feito pelo meu testamenteiro): contém os exemplares mais valiosos. Quero que estes sejam instalados em caixa-forte em condições de conservação adequadas a cargo da Câmara Municipal.
b) A restante biblioteca (livros, revistas, jornais, fotocópias, apontamentos, objectos musicais, discos, etc.) será alojada em sala (ou salas) própria (s), com o nome do doador na porta da sala – P. Domingos de Azevedo Moreira, Abade de Pigeiros. Será instalada no pólo de Pigeiros, depois de estar a casa pronta (em Pigeiros). O espólio será acessível ao Declarante e aos seus dois sobrinhos (MARIA DE FÁTIMA DE PINHO MOREIRA MAGALHÃES E MARIDO) em cuja casa vivo. Falecendo um e outros, cessa o direito de fruição.
Quanto a cuidados: gostava que fosse criado uma espécie de CONSELHO PEDAGÓGICO com o objectivo de conservação e dinamização da biblioteca para que esta não se torne num mundo fechado. Do citado CONSELHO farão parte a minha sobrinha MARIA DE FÁTIMA DE PINHO MOREIRA MAGALHÃES E O SR. VEREADOR DA CULTURA da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira).
Por questões de segurança ou outras, o espólio pode ser transferido provisoriamente da residência de Pigeiros para instalações em Romariz. Os trabalhos de inventariação poderão ser iniciados de imediato por pessoal a indicar pela Câmara Municipal, sendo minha vontade que a minha sobrinha Fátima e seu marido integre essa equipa.
Nomeio como testamenteiro o meu condiscípulo, Dr. Cândido dos Santos.