4 de dezembro de 2023

Livros, tempo e vontade


Estou em falha para comigo e para com os meus leitores, na publicação do livro de apontamentos monográficos sobre a freguesia de Guisande, que havia perspectivado para a primeira metade deste ano que está quase a terminar. Razões? Várias, mas sobretudo por alguma preguiça, porque no essencial tenho quase todo o conteudo que quero incluir e mesmo em quantidade que daria para um segundo volume. O principal trabalho prende-se com a paginação e correcção ortográfica já que não tenho dinheiro que me permita dispensar esse serviço e pagá-lo à editora.

Por outro lado, e sabendo que até é possível uma candidatura ao programa de apoio cultural da Câmara Municipal, o mesmo ainda está bastante burocratizado e por isso desmotivante. Creio e  parece-me, que neste tipo de situação, publicação de livros, os mesmos poderiam ser apoiados já depois de publicados, mesmo que mediante uma análise qualificada ao seu eventual interesse cultural e importância. Mas isto é apenas uma opinião e de resto a minha vontade de publicar não dependerá de qualquer apoio monetário, prévio ou à posteriori. De resto assim foi com os meus dois livros já publicados em que não recebi um cêntimo que fosse da Câmara Municipal. Além do mais, foi manifestada a vontade de apoio o meu livro infantil com a aquisição de 50 exemplares para a rede pública da Biblioteca Municipal mas tal nunca se concretizou. Nem o espero, diga-se.

Posto isto, serve este apontamento para dizer, até porque o têm perguntado, que a intenção mantém-se mas para já sem data definida. Eventualmente para o próximo ano. A ver vamos se reúno vontade e tempo de finalizar a parte editorial, paginação, correcção, estudo de capa, etc porque no que toca a investimento e gastos terá que ser, naturalmente, à minha custa. Em todo o caso, ao dar mais algum tempo à coisa até permite-me amadurecer e melhorar um ou outro assunto a incluir no livro e há sempre coisas novas e interessantes a surgirem e que será importante incluir.

Para além deste livro de apontamentos monográficos, há ainda a vontade de publicar um segundo livro de poemas, pequenos contos e outros textos, que até poderá acontecer ser publicado antes. A ver vamos!

Segunda-Feira, feira da ladra...

Depois de um fim-de-semana prolongado, com um bonito dia de sol pelo meio, regresso à rotina e monotonia do trabalho. Pelo meio as coisas habituais e corriqueiras. Sondagens sobre a nossa política reveladas aos bocadinhos, como num concurso televisivo, a ampliar  o suspense e a expectativa. Mais coisa menos coisa, candidatos do plano A ou do Plano B do lado do PS, tudo indica o que todos esperamos, uma disputa entre o PSD e o PS, mas este, apesar de tudo quanto tem envolvido o Governo e que levaram à sua queda, parece manter ritmo e poder vir a vencer de novo as eleições embora, sem maioria. O que voltaria a ser surpreendente mas não totalmente.

De tudo isto, e com as constatações do estado das coisas quanto à Sáude e serviço de urgência, aumento da pobreza, aumento da carga fiscal, guerra com professores, crise de habitação, etc, etc, a quase maioria dos portugueses parece gostar destes doces e do estado de coisas e com mais arroba menos quintal em 10 de Março próximo vai dizer democraticamente que quer que tudo continue na mesma. Sintomático! Faça-se a sua vontade democrática!

Por cá, no nosso querido terrão, também tudo na mesma. O positivo voluntarismo da Comissão de Festas já trabalha com azáfama no que toca a angariar fundos para a festa que há-de ser lá para Agosto. A padaria de Fornos, voltou a abrir depois de ter fechado, depois de ter aberto e depois de ter fechado. O Guisande F.C. veteranos promoveu neste Sábado o seu glamoroso jantar de Natal, bem participado e alegre. Parabéns! O Grupo Solidário também irá organizar a Ceia de Natal Solidária, a ter lugar em 16 de Dezembro, no Centro Cívico, já com lotação esgotada, pelo que também de parabéns pela dedicação. A missa do Galo neste ano, porque alternadamente com Guisande, será nas Caldas de S. Jorge.  O Natal, esse será no dia 25, também uma Segunda-Feira. O bacalhau está pela hora da morte mas como bom amigo na vida não faltará fielmente na ceia mais saborosa do ano.

Desportiva e entretidamente um dia destes eu, o LB e o HA vamos fazer uma corrida no Epic Awsome Challanger Trail da Aletria, em Santo Isidoro do Mazouco, Queixo-de-Espada-à-Cinta, que como todos sabem fica na ilha do Faial nos Açores, ali ao lado de Sevilha. 

O Sérgio Godinho cantava que "É Terça-Feira, Feira da Ladra..." mas bem pode ser mudada a feira para um dia antes. Vai dar ao mesmo! Boa semana!

2 de dezembro de 2023

Há dias de sorte...

 


Calhou-me em sorte um bom conjunto de vinhos sorteado pelos sócios do Guisande F.C. Veteranos.

30 de novembro de 2023

Anda tudo a "correr" atrás do mesmo

 


Quando recorrentemente recebes emails publicitários para participares em corridas, incluindo promoções, tal como fazem as grandes lojas para comprares arroz, salsichas, azeite, bacalhau e tudo o mais que deve conter uma medina despensa, ficas a perceber melhor que isto de corridas e corridinhas está transformado num negócio, num bom negócio. Legítimo, concerteza, como este de uma tal Runporto, que só à sua conta promove e organiza umas 16 provas durante o ano, mas dá que pensar, sobretudo no que motiva tantos milhares de pessoas comuns a pagarem para correr em rebanho. Bem sei que em muitas delas pinta-se com cores coloridas o apoio a causas sociais, mas, verdade se diga, a serem pagas por quem se inscreve. E é tão bonito fazer coisas bonitas com o dinheiro dos outros...

Isto de correr já não é só enfiar uns calções, calçar umas quaisquer sapatilhas e saír à estrada ou ao caminho e dar à perna.

Sinais dos tempos, e as empresas e os empresários sempre foram inovadores a vender salsichas quando os consumidores estão viciados nelas. A isso chama-se oportunidade de negócio! Hoje é corridas amanhã será outra moda (trend) qualquer.

Canzoada moderna


Outros, mais letrados e imensamente mais talentosos que eu já o terão perguntado e dada a resposta à altura da sua capacidade analítica. Mas mesmo assim não me escuso a interrogar se por agora haverá namoros à moda antiga, dos genuínos, puros e inocentes, quando se namorava à janela, ou mesmo daqueles românticos, galanteadores, em que o desejo carnal e instintivo dos primeiros momentos era abafado com cortesias, paciência e sobretudo respeito pelo tempo como se a deixar amadurecer na justa medida um fruto cujo sabor pleno não seria mais que um travo amargoso ou ácido se colhido impacientemente antes do tempo?

Creio que não! Que já não há disso e se alguém dele quer vislumbres só por amostra ou aproximação num qualquer filme lamechas ou de época. Na vida real, só por lotaria num qualquer povoado ermo onde as modernices ainda não tenham deixado marcas.

Hoje tudo é rápido, instantâneo e fugaz. Os primeiros encontros são o sumário de todos os outros e raras são as excepções, por pouca vontade, falta de tusa ou timidez, que não acabam em relação carnal, seja na estreiteza enevoada de um automóvel estacionado num qualquer beco escuro ou sombrio ou mesmo num quarto manhoso de motel ou até mesmo na cama da casa de um ou outro, vazias por solidão ou por desocupação de ex parceiros.

As coisas estão neste ponto e perguntamos se é melhor assim, com toda esta frontalidade, sem rodeios inúteis que só adiam o desfecho ou se no antigamente é que as coisas se fazim bem, com calma e paciência até que o tempo fosse tempo?

Em rigor não sei responder ou se sim com meia dúzia de considerações que pouca utilidade terão para o caso. Mas do que se tem visto, os namoros actuais ou relações à experiência podem ser práticos, pragmáticos, objectivos, mas como também disse alguém conceituado sobre esta mesma reflexão, dessa pedreira não se molda a pedra angular da nossa sociedade. Mas mais digo, por esta forma de nos relacionarmos, feitas as contas não fazemos melhor que figura de alguns cães, de todas as raças e tamanhos de nariz colado ás traseiras, já não só da cadela ciosa, mas deles próprios. Tristes figuras armadas em fodilhões mas a seu tempo ocupados com questões de paternidade e de divisão de património. No fundo, antigamente pagava-se para se sossegar a pila mas dalí, para lá do risco de piolhos, uma sífilis ou gonorreia, nada mais comprometia.

Tempos modernos estes.

29 de novembro de 2023

As virtudes e os defeitos enterrados

Pergunte-se a qualquer um dos vivos da aldeia da Urzeira sobre o julgamento que fazem do Alziro e todos responderão a uma voz que é homem de bem, bom marido, pai e avô. Homem de fé, é assíduo na igreja e pronto a ajudar em tudo quanto for para o bem da comunidade. De tudo quanto é festa na paróquia já tomou parte e já perdeu a conta às vezes que vestiu e despiu opas em procissões das humildes às mais solenes, a levantar lamparinas, a levar a cruz, ou a pegar nas varas do pálio. De dinheiro, já perdeu a conta ao que entregou em peditórios, em oblatas, folares ao pároco, ao Menino pelo Natal, e deixa nos cestos dos ofertórios.

Porque não somos feitos de vidro transparente, o interior de cada alma é um insondável mistério, tantas vezes obscuro e conturbado e daí que raramente tenhamos a capacidade de os vislumbrar, quanto mais perceber. Ora o Alziro, para lá dessa radiação de bom ser humano, certinho e previsível nas suas acções, não raras vezes é um turbilhão de contradições que o fustiga por dentro e se noutros tempos, absorvido ou distraído com o ramerrão do dia-a-dia, do emprego e da família, não fazia mossa nem dava tempo e lugar a discussões consigo próprio, reformado que está agora e disponível a horas vazias, mesmo quando desperta a meio da noite sem sono, a sua consciência tem andado como peregrina às voltas e voltas nos caminhos do que até ali teve como vida, percorrendo tempos de infância, da escola, da juventude e dos namoricos, o tempo na tropa, o casamento com a sua doce Amélia, os filhos, o emprego, etc etc. 

Nesta azáfama, faz contas e interroga-se se qualquer uma das decisões que tomou foram bem ou mal decididas, se cada direcção tomada foi a certa e se agora faria diferente? Pesa ponderadamente as circunstâncias mas decide quase sempre a favor de que fez como tinha que ser feito. Traz à memória um caso ou outro  em que se encheu de coragem, como quando foi às trombas do Alcino por este ter sugerido uma falcatrua nas contas da festa do Senhor dos Milagres, ou se acobardou quando devia ter feito o mesmo ao Marcolino quando lhe chamou batoteiro por, sem querer, ter feito uma arrenúncia num jogo de sueca. Mas considera agora que essas e outras parecidas foram coisas triviais e que não é por elas que fica sem sono quando convém dormir. No resto sempre procurou ser correcto, honrado e bom cristão. Nada lhe pesa na consciência e o turbilhão que o assalta interiomente acaba, afinal, por ser apenas uma ocupação ou mesmo um rever das contas da vida, agora que se aproxima do prazo, não vá ainda ter que fazer algum acerto com o Criador enquanto há tempo.

Num destes dias, e como o faz com frequência, foi dar uma volta ao cemitério e distribuir padres-nossos e avé-marias pelos antepassados e amigos, à campa de seu pai, mas também às dos avôs. Ora em frente à lápide de mármore com o retrato sépia do avô paterno, seu padrinho, que já partira há uma vintena de anos, ficou ali a olhá-lo nos olhos, também a fazer contas do que foram as suas lembranças nas circunstências em que se cruzaram, desde as ligadas à infância até tempos mais à frente e mesmo já quando na parte final da sua vida, encamado, lhe ía desfazer a barba aos sábados à tarde e pela vez derradeira já morto, com o rosto frio e duro. E ficava a remoer as esperanças que aquele avô noutros tempos lhe alimentara, como a lhe pagar os estudos, comprar bicicleta e depois a motorizada e mesmo deixar-lhe algum do dinheiro que se gabava de ter em fartura no Banco. Mas certo é que feitas e refeitas as contas, o Alziro há muito que percebeu que essas promessas tantas vezes feitas sob o efeito de um copito a mais, não passaram disso mesmo, de vãs esperanças e vontades não concretizadas, porque em rigor, e dizia-lho ali silenciosamente frente à sua sepultura, nada disso levou a cabo nem mesmo na leitura do testamento ouviu qualquer referência a alguns trocos a si deixados. Em resumo, colheu uma mão cheia de nada.

Esses incumprimentos do padrinho, que nunca passaram de aldrabices e meras intenções de quem as esquecia depois de uns copos, em boa verdade pouco incomodam o Alziro, porque desde há muito, mesmo com ele ainda vivo, percebera que este nunca passara de um "caga-lérias" e dele nem rebuçado ou brinquedo recebera. Fazia-lhe mais mossa, isso sim, o saber que a sua mãe fora por ele destratada desde criança, numa vida triste de coça, fome e miséria, o que a levou cedo a casar para fugir daquele castigo que, de resto, era o pão-nosso-de-cada-dia em toda a aldeia. Nesses tempos de dificuldades, aos filhos não se davam mimos nem sopas de frango, mas porrada, alguma de criar bicho, e fome mitigada ou enganada com caldo de couves. Isso sim, lamentava o Alziro, porque do resto cedo percebeu que dali não viria nada mesmo que inicialmente alimentasse essa ilusão. Até mesmo quando lhe prometera que tinha conhecimentos que o impediriam de ir à tropa, no dia certo apresentou-se no quartel já convicto que fora apenas mais um arremedo inconsequente do avô. Não se enganara.

O Alziro inquieta-se com estas coisas e sempre que entra no cemitério, defronte daquela gente enterrada, desenterra estas memórias e pergunta a si mesmo porque é que tantos vivos ali vão rezar e assear as tampas daquelas covas frias quando grande parte daquela gente morta não lhes deixou mais que más e duras memórias. Mas talvez para amainar esse mar revolto nos seus pensamentos, procura compreender e aceitar a situação. Afinal num cemitério estão enterrados os nossos antepassados e todas as circunstâncias das suas vidas, algumas boas, muitas outras más, mas todas decorrentes da massa com que foram moldados e nesse derradeito esforço de compreensão, pelo menos ali, naquele lugar que dizem sagrado, tem que haver lugar ao choro dos bons que partiram, cedo ou tarde, mas também e sobretudo ao perdão. Tudo ali está enterrado: a inocência, a bondade, o sofrimento, o castigo e a maldade. Pela fé, e acredita nisso o Alziro, as verdadeiras contas, o final julgamento, essas e esse será feito pelo Criador que tudo vê, submete e julga.

28 de novembro de 2023

A última fornada

Quando passava na sua motorizada a caminho do trabalho e horas mais tarde no regresso, pelo ron-ron do motor sabia o lugar das horas certas, porque era pontual o Ti Alexandrino no compromisso diário do seu trabalho de padeiro. Assim foi durante muitos anos, a amassar farinhas e a cozer pão, do mais branco, fino e macio até ao mais moreno, rude e denso, na forma de pães, moletes, sêmeas, cacetes e broas, tudo passava pelas mão do velho padeiro. 

Um dia, porque os anos fazem-se deles, lá chegou à idade da reforma e apesar dos pedidos do patrão, nem mais uma hora dedicou à casa e à arte. Foi mesmo a última fornada. Veio para casa e passadas semanas já se desprendera da farinha nas roupas e calçado e daquela vida a trabalhar de noite e a dormir de dia. A velha motorizada ou o pequeno carro ficaram meio encostados na garagem e rararamente saíam à rua. A sua nova rotina emparelhou certeira com a de alguns velhos amigos, como o Lúcio e o Manel Couveiro, na conversa fiada sobre o tempo, o futebol e a política na tasca do Rezingão, jogando, ou assistindo como preferia, a umas cartadas, "sueca" ou "copas", até um dominó, e entre uma cevada servida a escaldar e um copo de branco com açúcar, os dias passavam agora mais rápidos que as noites na padaria.

Passaram os dias, semanas, meses e anos, esse rosário de contas contadas, e num instante, com as memórias de padeiro já enevodas pela farinha do tempo, até a tasca deixou de ser ocupação das horas mortas. O corpo, talvez ressentido desse viver ao contrário durante meia vida, derretido pelo calor dos fornos, começou a murchar mais depressa que uma planta sem água num vaso esquecido, os ossos a rangerem de cima a baixo e as pernas a amolecerem, trôpegas como as do Ti Belmiro ao saír da tasca com uma copadas a mais da conta. Resignado, o Ti Alexandrino passa agora os dias por casa, na companhia da patroa e dos gatos. Tem duas ou três cadeiras nos cantinhos da varanda onde passa horas, ao quentinho do sol quando faz frio ou à sombra quando faz calor. Se chove, dentro de casa à lareira ou na sala a ver Gouchas e coxas. Da aldeia, sem as idas à tasca e à missa, apenas vai vendo e acenando aos que lhe passam à porta.

Nunca teve grandes ambições e destas não houve lugar a ilusões. Fez uma casinha quanto lhe bastasse, criou bons filhos e filhas e no resto, padeiro. Tudo nos conformes como tem que ser a vida: nascer, fazer casa, constituir família, deixar sementes, trabalhar, envelhecer e morrer. Não se preocupa com o dia de ir prestar contas ao Criador, porque as teve sempre claras, sem grandes aritméticas, mas pede-lhe, pelo menos, que o não faça acabar o seu tempo numa cama prostrado como um inútil, dependente do mais básico num animal, mesmo que humano, o beber, comer, urinar e cagar. 

Gostaria de morrer ali sentado no cadeirão no cantinho da casa virado a sul, aquecido pelo morno sol de Outono. Ouvira de alguém ou lera em livro que "feliz é o homem que morre quente e calçado". Por ele poderia ser mesmo assim e pouco lhe importa se já hoje ou amanhã. Mas quando Deus quiser!