12 de janeiro de 2024

O preço da independência e da honestidade

Tempos houve em que um pouco por todo o país e sobretudo em tempo de eleições autárquicas, entre um vasto caderno de encargos de promessas, como a clássica do instalar na terrinha um Posto Médico com doutores e enfermeiros, alguns candidatos também prometiam que nada ganhariam e que as suas remunerações pelos cargos seriam juntas e depois aplicadas em algo de importante para a freguesia, fosse para uma rua, para um parque infantil, para o clube de futebol ou mesmo para uma sede de uma qualquer associação de bem público. É certo que em rigor era e é pouco dinheiro, sobretudo para os titulares de cargos em pequenas aldeias, e por isso é que tal exemplo nunca foi seguido, parece-me, quanto a presidentes de Câmara e vereadores, porque aí a esmola era demasiado grande para dela se abrir mão, mas nas Juntas, como "grão a grão enche a galinha o papo", diz o povo na sua sabedoria milenar, certo é que alguns lá somaram uns milhares, de contos ou euros, pouco importa ao caso.

Para além da parte demagógica deste tipo de promessas, nunca percebi o verdadeiro alcance desta "generosidade", como se ela fosse necessária e de substância para provar a seriedade e dedicação desinteressada pela causa pública. A meu ver nunca foi precisa, porque a um trabalhador cumpridor e honesto é justo e até um direito universal que se pague o salário ou a remuneração que a lei lhe confere. Por conseguinte um autarca de Junta, seja presidente, tesoureiro ou secretário que por motivos eleitoralistas abre mão das sua remuneração legal a favor de qualquer outro propósito, não será mais honesto e dedicado que os semelhantes que dela não prescindem. 

Ademais, quem não for sério e honesto até pode abrir uma mão dessas verbas e pôr a outra noutras, sem que ninguém descubra ou desconfie das habilidades. Bastará que queira ir por aí. Quem é sério, é serio, e não basta mostrar que se pretende sê-lo ou parecê-lo. Em contraponto, quem usa essa promessa em campanha eleitoral pode até suscitar precisamente o contrário, o de passar por um artista, um habilidoso, um chico-esperto, ao usar esse isco para chamar ao seu anzol votos de gente com pouco sentido de escrutínio. Quem é honesto e competente não precisará dessas habilidades ou expedientes nem de dispensar aquilo a que tem direito.

Seja como for, certo é que com este tipo de posturas e promessas muitos autarcas lá arrecadaram uns votos extra, quiçá decisivos a definir vitórias em eleições.  

Em resumo, e é a esta ideia onde pretendo chegar, ninguém é mais ou menos dedicado pela causa pública, sério e honesto só porque recebe o que tem direito ou decide doá-lo a favor seja de quem ou do que for.

Um pouco neste contexto e pressuposto, estou de acordo com o escritor José Rentes de Carvalho, que aqui há já uns anos, a propósito do poeta Herberto Hélder (falecido em 2015) ter recusado o valor monetário do prémio Fernando Pessoa, porque embora pobre, "não pretendia perder a sua independência", disse que pensando no caso não chegava a conclusão satisfatória, pois era curiosa a noção da fragilidade da própria independência para o premiado acreditar que um prémio literário a podia pôr em perigo. Por isso, digo eu, e porque quem não deve não teme, a independência e honestidade não têm preço mas também não têm que ser à borla nem cimentadas no total despreendimento por vezes trapaceiro. O seu a seu dono dentro da legalidade, justeza e justiça.

Tapar é preciso em tempos de hibernação




Aqui há uma meia dúzia de anos estávamos bem melhor servidos quanto a repórteres que com um apurado sentido fotográfico captavam o que lhes causava incómodo. Desde buracos e buraquinhos a ervas com mais de 20 cm de altura ou uma água mal desviada na rua, eram alvo do oportuno disparo. Até chegou a haver uma espécie de liga contra o mau olhado onde os guardiões do templo sagrado eram mais competentes e de vistas aguçadas que na Raia os  guardas fronteiriços no tempo da velha senhora à cata de contrabando. Logo depois de colhidas as provas, todo o mundo e arredores ficava a saber da situação, do abandono, da escandaleira, da pouca vergonha, da incompetência ou desleixo de quem deveria olhar por essas coisas. 

Mas essa categoria de guardiões "profissionais" parece que a partir de uma determinada altura, talvez devido ao clima ou mudança da lua, entrou em letargia e tem estado em hibernação profunda e são mais raros de avistar que os linces na Malcata. É pena, porque fazem falta, pois os motivos para alertar nunca faltaram nem faltarão, independentemente da categoria e consideração de quem se queira "avisar". 

Mas adiante, que vem aí chuva e como diz o velho ditado, "ande o frio por onde andar que no Natal vem cá parar". 

As imagens acima publicadas são na Rua de Cimo de Vila, aqui na terrinha, no lugar do mesmo nome e têm já bastante tempo porque eu próprio já vi esses buracos noutros meses, porventura então mais pequenos. Até porque a rua é estreita, convirá a quem de direito remediar os buracos, como quem diz, tapá-los com um pouco de alcatrão, o que não parece coisa de monta. Apesar disso, também se nota algum abatimento do piso junto ao muro de suporte o que pode configurar algum problema de estabilidade ou inflitração que, digo eu, importará averiguar e rectificar. 

Apenas como contributo de cidadania fica o alerta. Provavelmente já será do conhecimento de quem de direito, e a coisa estará para ser reparada, mas se assim não for, caso isto seja lido e porque não quero pecar por omissão, o recado está dado. Além do mais importa que a população, mesmo que adormecida, esteja a par das suas coisas.

11 de janeiro de 2024

Rua da Leira às escuras e cerejas

 


Noutros tempos, antes da razia feita às freguesias, havia a tal proximidade dos eleitos aos eleitores e estas coisas eram detectadas com tempo e reportadas a quem de direito. Mas para isso é preciso sentido de serviço e dar umas voltas pelo território, mesmo à noite, quiçá a perder tempo, gastar gasolina e fazer telefonemas. Por agora as modas são outras e quem quiser cerejas tem que subir à cerejeira.

Assim sendo, à falta de certas coisas, e de cerejas, informei eu próprio a E-Redes, de que em Guisande,  o troço da Rua da Leira, a partir do entroncamento com a Rua da Ramada, até ao ao limite de Guisande com o lugar de Azevedo - Caldas de S. Jorge, que interliga à Rua da Arroteia, está sem luz pública desde há várias semanas.

Já agora, no Google Maps parte desse troço da Rua da Leira aparece como Rua da Arroteia, o que está incorrecto porque ali aqueles primeiras casas ainda são em território de Guisande e não do lugar de Azevedo, mas isso são outras histórias.

Quanto à iluminação pública, vamos aguardar que a reposição seja efectuada. Para já, às escuras.


Jornada Mundial da Juventude - O pós

A Jornada Mundial da Juventude 2023 teve lugar no nosso país e em Lisboa, entre o final de Julho e  princípio de Agosto passados. Parece que foi ontem mas já decorrido quase meio ano. Ainda ecoam na memória dos portugueses, e sobretudo dos jovens que participaram e se envolveram, o entusiasmo, alegria da partilha e vivência desses momentos em contacto geracional e mesmo inter-geracional com o papa Francisco.

Do mesmo modo e desse contexto, também para as largas dezenas de milhares de famílias que nas pré-jornadas acolheram por todo o país jovens peregrinos provenientes de toda a parte do mundo mas sobretudo da Europa. Foi assim na Diocese do Porto e na nossa comunidade inter-paroquial e em Guisande. Eu próprio e a minha família, acolhemos nessa semana última de Julho, duas peregrinas alemãs de origem vietnamita.

Passado já este quase meio ano e com a poeira do entusiamo assente, é possível analisar algumas coisas que, apenas a meu ver, ficaram aquém de algumas expectativas, pelo menos no contexto da experiência da família com os peregrinos e vice-versa. No global a experiência foi positiva mas, apesar disso, a partilha comum e convivência ao nível da família foi reduzida face ao programa delineado pelas equipas responsáveis (comités diocesano, vicarial e paroquial) o que fez com os espaços e momentos apenas destinados às famílias e jovens acolhidos fossem escassos. 

Em rigor e no geral as famílias foram principalmente agentes de alojamento, proporcionando a custo zero, dormida, comida, serviço de limpeza e transporte. Este ponto do transporte inicialmente foi publicitado apenas como mínimo, pontual e só mesmo para quem pudesse e quisesse mas na prática e na realidade não foi assim e as famílias tiveram que assegurar a maior parte das deslocações de entrega e recolha dos jovens, sempre de acordo com os seus horários.

Falando também pela minha experiência, desde que os jovens seguiram para Lisboa, nunca mais houve contacto de sua parte. Foi de minha iniciativa procurar saber se a viagem correu bem e se estavam a gostar. Depois disso, nenhum contacto de iniciativa dos jovens apesar de disporem dos canais adequados, como o número telefónico, o email e whatsapp. Chegados ao seu ponto de partida, ficaria bem fazerem um resumo da jornada e partilharem por sua iniciatiava com quem os recebeu. Mesmo agora pelas festas natalícias, ainda alimentei a esperança de receber uma mensagem ou um postal das duas raparigas, mas não. Poderia ser eu a fazê-lo? Podia, mas convenhamos que há alguns princípios que devem ser cumpridos e na nossa terra não fica bem andar com o carro à frente dos bóis.

Não há, todavia, qualquer arrependimento, até porque se havia expectativas num sentido de mais tempo para a convivência, pessoalmente nunca as tive a este nível do posterior contacto, agradecimento e reconhecimento. Eventualmente aconteceu com outros e de resto certamente que a percepção das experiências foi diferente de família para família.

Em resumo, as coisas são como são e no geral, admitamos, os valores da boa educação e do reconhecimento não são propriamente coisas que façam parte da bagagem desta moderna juventude. No geral nunca lhes faltou nada e no seu dia-a-dia dão tudo por adquirido e feitas as contas, nós, os que recebemos e estivemos durante uma semana ou mais ao seu inteiro dispôr, com cama, mesa, roupa lavada e transporte, é que temos que lhes agradecer e de os contactar. É cultural e quanto a isto não há volta a dar. Desvalorizando estas particularidades, fica para a história o que aconteceu e que, mesmo com esses ónus e encargos das famílias, os jovens levaram, pois levaram, uma boa e inesquecível experiência, de Guisande e certamente de todos os locais onde estiveram alojados. Afinal, nada lhes faltou!

10 de janeiro de 2024

Unir aos trambolhões

Há algumas semanas recebemos nas nossas caixas de correio um infomail todo bonito a dar-nos o recado de que "Há uma nova rede de autocarros no concelho de Santa Maria da Feira". Mais informava que "A partir de 1 de Dezembro (2023) entraria uma nova rede de transporte público rodoviário de passageiros para todos os municípios da Área Metropolitana do Porto que, finalmente, transformará a mobilidade do nosso território. Autocarros movidos a energia limpa, sustentáveis, uma rede mais eficiente, intregrada e uniformizada, e com um sistema de bilhética único". Apresentava-se como a UNIR.

Para além deste infomail fomos sendo informados no final das missas e ainda nas rádios e jornais locais. Quem, como eu, foi espreitar a plataforma digital da entidade e do serviço, ficou com uma boa ideia de que ía ser uma coisa muito bem feita e organizada. 

Infelizmente, a ter em conta as reacções dos utentes e de diversas figuras, incluindo alguns presidentes de Câmara que se mostraram com as expectativas defraudadas, parece que a coisa não poderia ter começado da pior maneira, com confusões, falta de meios e recursos, supressão de linhas, atrasos e irregularidades nos horários, etc, etc.

Depois disso ouviram-se responsáveis a sossegar o povo dizendo que era natural que a coisa começasse com problemas mas que aos poucos a máquina iria ser afinada e resolvidos os defeitos, mas pelas reacções que se vão ouvindo, parece que ainda há muita coisa a melhorar e a afinar. Aos optimistas que dizem que com tempo o sistema será perfeito, contrapõe-se o velho e experimentado ditado popular que "o que nasce torto tarde ou nunca endireita".

Pela minha parte, que não tenho necessidade de transporte público, estou de fora a ver a banda a passar, mas de facto é importante que o sistema funcione e que corresponda às necessidades de quem dele precisa. Apesar de tudo, é muito nossa esta mania de lançar foguetes antes da hora e de anunciar maravilhas maravilhosas e que depois à nascença, aos primeiros passos, seja tombos e trambolhões. 

Mas por agora é aguardar que a coisa, lá virá um dia, ficará (mais ou menos) afinada, até ao "patamar de excelência" prometido pelo presidente da Câmara de Gaia e da AMP, Eduardo Vitor Rodrigues. 

Para já as palavras de ordem são ajustar, reformatar, reformular, adequar, reparar, acertar, etc. Tudo palavras consoladoras para quem querendo unir começou a desunir. Os utentes, esses têm que aguentar e esperar.

Cinzento, mas um bom retrato

(...) Uma regra de ouro é a de não votar em alguém simplesmente pelo que é ou parece. Ou porque é um hábito. Aliás, em Portugal, hoje, nenhum partido merece que se vote nele pelo que é. Nem a direita, nem a esquerda, com currículos pouco recomendáveis após as últimas décadas.

O PS tem muito pesadas responsabilidades na degradação da vida nacional. Contribuiu, mais do que os outros, para os êxitos dos últimos 50 anos. Mas esse facto não desculpa a deterioração sistemática dos serviços públicos, a perda de capacidade para criar riqueza de modo consistente, nem a partilha de autoria e de culpas em todos os processos de corrupção e nepotismo.

O PSD tem enormes responsabilidades no declínio da vida nacional, tanto da economia como da cultura, da sociedade e da política. Depois de, com mérito indiscutível, ter contribuído para a consolidação da pertença europeia e para a afirmação democrática da direita portuguesa, este partido desinteressou-se da independência nacional e da afirmação da empresa portuguesa pública ou privada.

Em conjunto, PS e PSD, deixaram afundar o Serviço Nacional de Saúde e a educação pública. Um a vegetar na mais inacreditável desordem que se possa imaginar. Outra entregue à futilidade lúdica e a exibir os piores resultados de sempre.

O PCP, sempre o mesmo, tão irredutível e seguro de si! É-lhe indiferente ter 20%, 10% ou 3% dos votos, ou 40, 20 ou 5 deputados. Garante que tem sempre razão contra a população que não vota nele, que é quase toda. Persiste em afirmar que representa todos os trabalhadores, que a história sempre lhe deu razão. Até à derrota final. Até ao desaparecimento eleitoral.

O Bloco, moralmente superior e arrogante, convencido, presunçoso como poucos, firme na sua beatitude política e seguro da sua virtude ideológica, nunca fez nada de jeito que lhe dê qualquer espécie de currículo, qualquer folha de serviços prestados à sociedade.

O Chega não merece o voto só porque protesta, denuncia e ataca. Não é convincente, não tem políticas, não dá sinais de qualquer género de competência ou de saber. Utiliza as mais baratas receitas disponíveis, do nacionalismo ao grito dos descamisados.

A IL parece saída de uma produção laboratorial. É só mais um partido, sem currículo nem experiência, a vender camisolas de lã no deserto.

Nas próximas eleições, o momento é calhado, mais propício do que nunca, para votar de acordo com compromissos, em vez de repetirmos os gestos do sonâmbulo. Votar em compromissos é melhor do que votar em rebanho.

[António Barreto - in Sorumbático]

9 de janeiro de 2024

Striptease

Isto de escrever para o público ler, seja ele composto de familiares e amigos, ou gente que nos tem em pouca conta, ressabiados, mesmo inimigos ou gente de toda a espécie, a farinha com que se amassa o público anónimo, tem que se lhe diga porque acarreta responsabilidades, comprometimentos e até riscos. Bem o sei e não é de agora esta conclusão, mas também pouco me incomoda porque se fosse a ter em conta apenas os inconvenientes há muito que teria deixado de escrever ou então apenas para uma espécie de querido diário de adolescentes, destes a que se coloca uma fechadura com segredo para que permaneça quanto possível como coisa escondida, íntima.

Quem passa os pensamentos e ideias próprias para o papel e os publica, seja em livro, jornal ou mesmo nesta janela aberta ao mundo da internet, redes sociais, blogues, etc, é como fazer um constante striptease expondo-se aos olhos dos observadores curiosos e afins ou, num inglesismo moderno e parolo, aos voyeurs. Há quem veja estas coisas apenas por mera curiosidade e sem lhes dar demasiado significado mas também os que com fascínio, admiração ou até excitação.

Neste palco público, mesmo que por linhas tortuosas, meias palavras, metáforas ou analogias, quem escreve acaba por pintar o seu auto-retrato e a quem observa nem é preciso formação em leitura de personalidade para perceber aquilo que é, das coisas mais triviais como o gostar de uma feijoada à transmontana até às mais intimistas como apreciar numa mulher determinadas bençãos físicas, o pensamento religioso, filosófico, passando pela simpatia clubista, partidária, ideológica, etc.

Em todo o caso, importa ter em conta que não devemos negar, esconder ou dissimular aquilo que somos e na convicção de que não devemos ter vergonha, receio ou baixa estima da nossa forma de ser, de estar e pensar. Pelo contrário, mal daquele que age apenas em função dos outros e das suas considerações, preconceitos e julgamentos. Mas há, e muita, gente dessa, incapaz de expressar publicamente uma ideia, uma opinião, um pensamento, como se constantemente castrados, condicionados, envergonhados, sempre cautelosos em cada passo dado, em cada palavra proferida. Gente que se auto açaima, com medo dos demais mas sobretudo de si próprios. Desse tipo de gente nada se espera, nenhum contributo, por mais simples e banal, para o exercício da liberdade própria e colectiva. Fôssemos todos dessa massa e não haveria na história do homem e da humanidade as grandes criações artísticas, filosóficas ou tecnológicas que no seu todo contribuiram ao longo do tempo para o progresso civilizacional. Ainda bem que gente houve e há a pensar, a contestar, a experimentar, a criar, a ser progresso.

Posto isto, entre um constante striptease com todos os prós e contras e um remetimento íntimo e castrado, creio que os prós são mais que muitos e densos o suficiente para desequilibrarem a balança que pesa e mede as decisões. Podem, pois, por enquanto, passarem por este palco onde há striptease, incluindo dança do varão, onde há lugar à opinião e pensamento próprios, mesmo que vulgares, rudimentares, goste-se, concorde-se ou não.