2 de agosto de 2024

A vida do Chico deu uma volta

O Chico do Vieira enviuvou cedo. Tão medonho mal apanhou a Alzira que em pouco se apagou. Depois de desanuviada a negra nuvem da dor e do luto, ainda o rondaram com oferecidos galanteios, daqueles que só não vê quem é cego, algumas jeitosas pretendentes, solteironas, divorciadas e até mal casadas, sabedoras da sua gentileza, da boa estampa apesar de maduro, com casa montada, bom carro e emprego estável numa repartição pública, mas a todas esvaziou com a subtileza dos comportamentos de lobo solitário. Considerou que o que precisava depois da partida da sua alma gémea, era cumprir na solidão uma caminhada de serenidade, física e espiritual, quase como uma travessia de deserto daquelas que buscam os santos eremitas.

Logo depois, chegada a hora, nem mais um segundo, reformou-se e desde esse primeiro dia que se impôs a uma rotina disciplinadora para que não se perdesse numa modorra que conduz ao limiar da loucura. Assim, levantava-se sempre às sete e meia da manhã, espreitasse o sol pela janela do quarto ou nos vidros da janela batessem as gordas bátegas de chuva. A seguir, na casa de banho, eram sempre quinze minutos para o essencial, o escanhoar da barba e do ordenamento da basta cabeleira, já grisalha. Banhos gostava de os tomar antes de deitar. De seguida o pequeno almoço na pastelaria da esquina, a leitura das gordas nos jornais, e minutos depois caminhava já em passo acelerado pelos caminhos da redondezas, tanto quanto possível por onde não andasse alguém. Ao meio dia-e-meio era cliente diário no restaurante do Quintela. E era assim o resto do dia com coisas certas, a horas marcadas, como que comandado por um treinador de apito na boca e cronómetro na mão. Conversas poucas e só com amigos raros e mesmo assim apenas para não dar ares de bicho de buraco. Mas, não fora essa obrigação social e consideração de outros tempos, dispensaria de bom grado as conversas de lana caprina sobre o estado do país, da política e dos políticos, do futebol, etc..

Deitava-se sempre às onze, depois de ler algumas páginas de um dos muitos livros e em regra dormia bem até que o ciclo recomeçava no dia seguinte. Corriam os dias, as semanas e os meses e com eles os anos pareciam cavalgar num trote certinho, sem sobressaltos.

Um dia, porém o Francisco, não se sabe por que carga de razões, quebrou a rotina e foi tomar o pequeno almoço na freguesia vizinha e servido por tão graciosa rapariga, de olhos negros profundos, num corpo esbelto de viço, e tão simpática e afável no trato como se o conhecesse desde sempre. Não consegue justificar-se sobre que aranha lhe mordeu quando percebeu que começou a ir ali, não apenas uma, mas duas ou três vezes por semana e não somente pelos pastéis de nata ou torradas. Pouco mais à frente, já era presença diária e fazia por prolongar aqueles momentos que ali passava simulando que se entretinha a ler o jornal de fio a pavio e a terminar com uma bagaceira, mas na verdade sempre com os olhos a fugirem para os da empregada que, mais doces que os pastéis que servia, os encontrava e retribuía. Começou a baralhar as tarefas que tinha na rotina inabalável dos seus dias, saltando umas e adiando outras. Começou a dormir mal e aquela rapariga, tenra e deslumbrante, era presença nos seus sonhos à noite e pensamentos à luz do dia.

Certo é que passados alguns meses toda a freguesia ficou pasmada quando se espalhou a novidade de que o Francisco se juntara à Teresinha da pastelaria Estrela da Manhã, e de malas aviadas mudara lá para os lados de Castro Daire, de onde era natural a moça.

Há assim nas nossas vidas um não sei quê de que destino, fatalidade ou apenas acaso, que quando damos por ela, dá cabo das mais fundamentadas rotinas, descompondo ideias, desorganizando sonhos, distorcendo as linhas rectas e paralelas que nos guiam, fazendo descarrilar o comboio com as dezenas de carruagens onde arrumamos as nossas coisas certinhas.

Feitas as contas, terá sido melhor assim. Seria demasiado penoso que o Francisco não fosse capaz de se desamarrar daquela disciplina monocórdica que lhe fazia os dias todos tão iguais, tão minuciosamente agendados e preenchidos em todos os minutos e horas dos dia e noites, que às tantas aquilo já não era vida, mas somente um existir, um relógio dominador, uma engrenagem de movimento perpétuo.

Já passaram uns largos meses e a freguesia não voltou a ter notícia do Chico. A filha, a quem entregou as chaves da casa sem grandes justificações, também abalada com a decisão assim de supetão, mal se vê pela aldeia, evita os contactos e se interpelada nem chus nem mus.

Não sabemos, por isso, como corre a vida do Francisco com a fresca Teresinha, lá pelas bandas de Castro Daire, mas por mais revolta e imprevista que seja, será certamente vivida, em que cada dia é diferente do anterior como inesperado será o seguinte. Sem regras, apenas de improviso. Porventura, descascada a sumarenta da companheira, já a achará chocha, desenxabida, ou ela, de tanto o já ter espremido, seguiu para outro pomar, mais fresco. Talvez, uma ou outra coisa ou nenhuma delas, mas na certeza de que a vida do Chico deu uma volta de pernas-para-o-ar. Se caiu de patas como os gatos, se de cu-catrapuz, por ora ainda não se sabe.

Talvez regresse um dia destes, cabisbaixo, rendido, a retomar a antiga rotina, a voltar a almoçar no Quintela, feijoada às sextas, rojões ao Sábado, cabrito ao Domingo.... Talvez!

1 de agosto de 2024

Viagem Medieval? Não, obrigado!

 Há 20 anos que não ponho os meus pés na Viagem Medieval.

Apenas por umas poucas razões: 

1 - A primeira desde que, enquanto membro da Comissão de Festas cá da terra, solicitei um apoio da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira à componente cultural,  pela participação de duas bandas filarmónicas, e nem sequer merecemos resposta nem a atribuição de 1 euro que fosse.

2 - Não concordo que enquanto cidadão livre, defendido pela Constituição, que me permite a livre circulação no espaço público não o possa fazer durante quase duas semanas, numa zona nobre e ampla de uma cidade, convertida por esses dias num parque temático.

3 - Se gostei da genuinidade das primeiras edições, e ainda no castelo, depressa percebi que a coisa se massificou. Não sou adepto de entretenimento massificado. Defeito meu, admito! 

Mesmo assim, da duração, creio que 4 dias seriam suficientes. 12 é um exagero e todo o constrangimento que daí decorre. Quem por ali vive ou trabalha, melhor é meter férias e dar de frosques.

Reconheço obviamente a importância económica para o concelho, seja quem disso beneficie, e serão muitos, mesmo que digam que quase sempre os mesmos, mas como dela não colho 1 euro, é daquelas coisas relativas, a desconsiderar porque de que vale sermos ricos por ter o ovo no cu da galinha do vizinho? Além do mais, nem tudo pode ser justificado pelo dinheiro e receitas.

Apesar de tudo, é engraçado ver tanta gente feliz a fazer de conta que é cavaleiro, a comer e a beber sem olhar a preços, sempre exorbitantes . Assim fossem tão empenhados estes nobres e valentes cavaleiros de fingimento a apanhar batatas. Não são, mas que se divirtam!

Passarei pelo burgo logo que que o espaço público atravancado seja devolvido aos cidadãos, assente a poeira das batalhas fingidas e dissipado o cheiro a porco no espeto.

26 de julho de 2024

Postal do dia - Obrigado ao Johnny Almeida e à Comissão Fabriqueira


Tenho escrito e falado sobre o assunto, o da necessidade de obras de conservação na nossa capela dedicada a Nossa Senhora da Boa Fortuna e a Santo António, popularizada como Capela do Viso. Em Maio de 2023 escrevi sobre isso e de que então já havia o propósito de realizar obras.

Mas não se realizaram e em Agosto desse ano, decorreu a nossa maior festa comunitária, a Festa do Viso, com a capela, sobretudo o interior, em mau estado do reboco das paredes, como uma nódoa ali a envergonhar-nos, perante nós próprios e sobretudo para quem nos visitava.

No arraial gastava-se dinheiro em artistas e em foguetes e na capela, em que reside o motivo maior, via-se aquela situação. As imagens que ilustram este apontamento são elucidativas.

Pensei eu que, entretanto, seriam feitas as obras para que a situação não se repetisse na festa deste no de 2024. Todavia, porque entretanto foi dada prioridade às obras do Salão Paroquial, felizmente já feitas e bem feitas, parece-me, o tempo ficou apertado e de novo a capela a correr o risco de se apresentar vergonhosamente à comunidade local e forasteira, tanto mais quando vamos ter o privilégio de cá ter o bispo auxiliar do Porto, D. Roberto Mariz, a presidir à celebração da Missa Solene.

Pessoalmente é uma situação que me envergonha e desde logo porque acho paradoxal que se faça uma festa com qualidade no arraial e na capela se veja esta pobreza de estado de conservação. Quem não se envergonha ou incomoda com isto?

Neste contexto, mesmo que a título pessoal e informal, questionei sobre o assunto alguém do Conselho Económico – Comissão Fabriqueira, no caso o Johnny Almeida, o qual reconhecendo a situação, se prontificou a analisar a mesma no sentido de ver se ainda a tempo, mesmo que de forma provisória, fosse possível retocar os pontos mais deteriorados.

Contactou-me entretanto a confessar que a situação era mesmo grave e que a coisa já não se resolveria apenas com uma intervenção ligeira. Assim, num compromisso de esforço e dedicação, e deslocando pessoal da sua empresa de outros trabalhos, comprometeu-se a que nestes dias e até à festa, irá fazer uma intervenção que seja já de forma definitiva, mesmo que apenas parcialmente, porque de facto não haverá tempo para mais.

Assim, começará a revestir as paredes interiores desde a parte do coro até onde for possível até aos altares laterais. A solução é a mais adequada, com aplicação de revestimento em placas de gesso cartonado, já que a solução de reconstrução do reboco pelo método tradicional, para além de mais demorado não resolveria o problema de humidades e salitre e dentro de poucos anos o problema voltaria.

Neste contexto, comprometeu-se pessoalmente e pela Comissão Fabriqueira a fazer os possíveis para nestes próximos dias revestir a maior área de paredes possível. O tempo é curto mas com competência será possível atalhar.

Pessoalmente não tenho quaisquer responsabilidades nem peso decisório na matéria e a minha interpelação foi apenas a título pessoal, mas não posso deixar de agradecer aqui publicamente a sensibilização do Johnny Almeida, e estou certo que de acordo e conhecimento com os demais elementos, incluindo o pároco Pe. António, bem como à sua dedicação e empenho, mesmo que com inconvenientes para a organização dos trabalhos da sua própria empresa.

É de facto meritória a sua acção e mesmo sem ver o resultado do trabalho, e se não surgirem obstáculos, acredito que pela sua competência será capaz de, mesmo que de forma incompleta, dar a dignidade adequada à capela e à altura da festa que recebe em honra de Nossa Senhora da Boa Fortuna.

Há alturas em que é preciso pôr mesmo o carro à frente dos bois, pois parece-me que nestas coisas de atalhar problemas, tantas vezes é pior nada fazer do que fazer menos bem ou de forma mais apressada.

Pela parte que me toca, obrigado ao Johnny Almeida e à Comissão Fabriqueira pelo interesse que acolheu a minha interpelação e se prontificou a mitigar essa nódoa na nossa capela no dia da sua festa maior.

Sem fazer julgamentos antecipados, até porque a equipa é nova, parece-me que é neste caminho que se tem que trabalhar, de forma decidida, sem as crónicas hesitações que só adiam e agravam os problemas e as necessidades.

Conservar com dignidade o nosso património comum é respeitar o legado de quem ao longo dos tempos o edificaram e transmitiram.

Bem hajam pela vontade, dedicação e acção!



22 de julho de 2024

A importância do Centro Cívico

Vamos ter na nossa Festa do Viso, neste ano de 2024, serviço de refeições que funcionará no Centro Cívico. Foi anunciado pela Comissão de Festas e confirmado pelo presidente da Comissão Administrativa do Centro Social S. Mamede de Guisande, Joaquim Santos. O serviço ficará ao encargo do Armando Ferreira e da esposa Isabel Paiva, do Café Fornos, pelo que aguarda-se boa qualidade e diversidade.

Confesso que fico satisfeito, desde logo porque sabe sempre bem almoçar, jantar ou petiscar na nossa festa. Pode ser tudo muito simples mas ali, naquele local e momento, as coisas sabem melhor.

Sem ter a certeza, presumo que tal como no ano anterior, teremos também a tasca do Guisande F.C., também a servir algo para comer. Seria interessante para além de que será bom para todos.

Fico satisfeito por outro lado pois percebe-se que a instalação do Centro Cívico, mesmo que ainda sem cumprir com o motivo principal da sua edificação, o de ser um Centro de Dia, e que ainda só não acontece por questões políticas e de poupanças e retenções em diferentes governos, tem sido de uma enorme utilidade no apoio das actividades da nossa comunidade, como é o caso da organização da Festa do Viso.

Todavia, e como nem tudo é perfeito, em contraposição a esta concensual utilidade da instalação, fica o desconsolo de constatar que para além disso, ninguém se chega à frente para assumir responsabilidades directivas no Centro Social. Ora como não apareceram listas candidatas nas duas anteriores assembleias gerais, o Centro Social está a ser gerido com serviços mínimos por uma Comissão Administrativa e que entretanto também terminará o seu mandato.

Temos assim esta duplicidade, com realidades diferentes: Por um lado o inegável interesse do Centro de Dia, e por outro lado o desinteresse e desvio às responsabilidades, levando a que ninguém apareça para assumir e dinamizar a Associação do Centro Social.

Onde é que isto vai levar? Não sei responder. Preocupa-me? Claro que sim, mas como já dei para esse peditório, fazendo parte dos corpos gerentes em vários mandatos, é responsabilidade que por agora não quero repetir. De resto, há muitos  e bons, e bem mais novos, na possível lista de espera. Assim tenham essa vontade como nós, quando éramos bem mais novos, tínhamos! É o que se espera da renovação de uma comunidade.

16 de julho de 2024

Memórias - As artes e ofícios em Guisande


Na nossa freguesia de Guisande, até meados da década de 1970, se quisermos até à revolução do 25 de Abril de 1974, o grosso da população dedicava-se à agricultura, mesmo que, pela natureza dos prédios e sua topografia, no geral de reduzidas dimensões, num regime de minifúndio, isto é, para rendimento e auto-sustento ou subsistência familiar.

Complementarmente ao que as terras produziam, essencialmente milho, centeio, feijão e mais tarde as batatas, para além dos habituais produtos da horta e pomar , eram comuns os animais, como gado bovino, quer como força motriz nos diversos trabalhos, quer como produção de leite e de carne sendo que esta essencialmente resumida à criação de porcos, animais de capoeira e a algumas ovelhas.

A partir desse período, as actividades industriais começaram a generalizar-se e com isso o aumento de fábricas na nossa zona, nomeadamente por S. João da Madeira e Arrifana, com predominância do sector do calçado, mas também e ainda mais próximo, na freguesia de Caldas de S. Jorge, com o aparecimento de fábricas como a Sóbrinca e Bébécar, e outras mais, como a Brinquel e a Fabruíma, dedicadas a produtos de puericultura e utilidades domésticas.

Ora algumas destas fábricas vieram a absorver muita dessa mão-de-obra até então dispensada ao sector agrícola, sobretudo de homens e rapazes, mas ainda algumas raparigas, garantindo às famílias um rendimento certo ao final do mês.

Com esta generalização do sector industrial, bem como do desenvolvimento da maquinaria e processos de produção electro-mecanizados, ainda a extensão da escolaridade obrigatória até altas idades e terminado o trabalho infantil, aos poucos foram-se perdendo as actividades até aí artesanais que comportavam saberes ancestrais.

Tomando como referências as profissões descritas em muitos dos assentos paroquias de Guisande, para além das mais comuns ligadas aos campos, matos e pinhais, como agricultores, lavradores, jornaleiros, carreteiros, ou serradores, existiam alfaiates, sapateiros, carpinteiros, ferreiros, cesteiros, tamanqueiros, pedreiros, costureiras, tecedeiras, rendeiras, etc.

Como já não sou rapaz novo, ainda me lembro de vários destes artesãos e de alguns até de os ver a trabalhar, como alfaiates, o Ti Delfim em Casaldaça e o Ti Joaquim Pisco na Igreja, costureiras como as Fonsecas, primas da minha mãe, a tecedeira Isabel do Moleiro, na Barrosa, o cesteiro Ti Manuel do Caseiro, em Cimo de Vila, o ferreiro Ti Raimundo do Reimão em Casaldaça, ainda carpinteiros, sapateiros, etc.

Hoje em dia, e já de há muito tempo, porque deixaram de compensar tais artes nem foram passados os ofícios, já nada existe para além das memórias. E mesmo algumas coisas materiais que pudessem servir de testemunho, como um tear e bancas de carpinteiro ou sapateiro ou forja de ferreiro, há muito que foram desmanteladas e o que fosse de arder queimado foi, e o resto lançado para a sucata e calabouços do tempo.

Pode-se ter pena e uma saudade bucólica dessas artes e ofícios, mas o tempo e as mudanças inerentes não se compadecem com lirismos e por isso tudo subjuga à produção mecanizada, em série mesmo que impessoal. 

Face a esta fatalidade, imparável, pelo menos que se guardem as memórias de quem ainda as tiver, e se perpetuem, incluindo os nomes de quem, nos diferentes tempos, soube fazer com arte e mestria o dia-a-dia d euma terra, de uma comunidade.

7 de julho de 2024

Postal do dia - Que não apenas pão e circo

 


O artista musical e divulgador do cante alentejano, Buba Espinho, actuou ontem nas Caldas de S. Jorge, com concerto integrado no Caldas Sabor & Arte, um evento a que não encontrei classificação, se festival, se feira ou outra coisa qualquer, mas seguramente dentro da categoria de comes-bebes com música e outros tópicos.

Vi apenas parte e gostei. Obviamente que conhecia o estilo e a qualidade e fiquei com inveja de não termos um artista com essa qualidade no Corga da Moura ou mesmo na Festa do Viso.

Reconheço, contudo, que não é coisa para jovens e adolescentes porque por ali não há batidas, spunk, spunk, barulho a rodos com decibéis a rebentar a escala e os tímpanos (como aconteceu no Corga da Moura)e gente que para ter assistência a potes não basta saber vestir ou cantar. Mas isso é outra história e de diversidade também se faz a diferença, goste-se ou não.

Apesar disso, Buba Espinho e os seus excelentes acompanhantes ajustam-se melhor a um ambiente de intimidade, se possível em espaço fechado. Assim, foi o que foi. Gente bastante, sobretudo de meia idade para cima, mas longe da que arrasta um qualquer artistazeco do hip-hop ou coisa parecida. Além disso, frio, muito frio, pouco convidativo a estar, mesmo a beber, do que muito vivem as tasquinhas. Mas é velho e sabido que a zona envolvente ás Termas e ao Uíma sempre foi de temperaturas de frigorífico.

Hoje ao início da tarde regressei ao espaço e voltei a gostar, mesmo que ainda sem grande movimento.

Apesar de tudo, já numa apreciação meramente prática e analítica, espanto-me dos valores que as entidades, sejam Juntas de Freguesia ou Câmaras Municipais, gastam neste tipo de eventos, trazendo artistas que naturalmente não vêm pelo modesto preço de um rancho folclórico. E esta realidade não é, naturalmente, exclusiva do nosso território, mas também de tantos outros. Por princípio não é negativo, claro que não, e além disso já vem do tempo da velha Roma a máxima de que a populaça anda feliz e calma quando se lhe dá pão e circo. Mas que se gastam balúrdios de dinheiro nestas coisas, nestes programas musicais, gasta-se. 

O problema nestas coisas, paradoxo ou contradição, é verificar que na maior parte das freguesias onde há esses elevados gastos, há ruas com pavimentos em reles estado, valetas, bermas e espaços públicos por limpar e obras e melhoramentos por fazer ou eternamente adiados. Ainda hoje, precisamente antes de voltar ao Caldas Sabor & Arte, passei pelo Parque da Várzea em Pigeiros, nas margens do mesmo Uíma, e é deplorável a falta de limpeza com lixo espalhado por todos os cantos, a afastar quem queira pique-nicar ou apenas saborear as sombras e pacatez bucólica do local. Fugi dali!

Precisamos, pois, de tudo, incluindo destes momentos de confraternização, de lazer e entretenimento, mas importa não perder o rumo ao bom senso e equilíbrio e não privilegiar apenas o pão e circo porque se considera que isso em termos eleitorais poderá  render frutos É preciso mais, bem mais, que isso.

Haja, pois, comedimento e tudo no ponto adequado. Sem espinhas!






5 de julho de 2024

D. Laurinda da Conceição - A LIAM e outros apontamentos

 


Laurinda Gomes da Conceição, segunda filha de nome, que nasceu a 13 de Agosto de 1933 e faleceu em 5 de Setembro de 2016.

Era filha de Justino da Conceição Azevedo e Rosa Gomes de Almeida.

Este Justino nasceu a 15 de Fevereiro de 1898 e faleceu em 31 de Dezembro de 1945.Tinha, pois, a Laurinda 12 anos quando faleceu o pai.

A Laurinda teve vários irmãos, nomeadamente:

David Azevedo da Conceição, que nasceu em 27 de Março de 1921 e que casou em 12 de Outubro de 1941, com Maria da Conceição Francisca da Costa;

Maria Gomes da Conceição, que nasceu a 12 de Agosto de 1924. casou em 14 de Maio de 1955 com Joaquim Príamo Monteiro;

Laurinda Gomes da Conceição, primeira de nome, que nasceu a 17 de Janeiro de 1929. Faleceu menor em 25 de Maio de 1930.

António Azevedo da Conceição, nascido em 23 de Novembro de 1931 e falecido em 1 de Julho de 2017. casou em 1 de Setembro de 1963 com Idalina Rosa de Pinho;

Maria Rosa Gomes da Conceição, nascida a 25 de Setembro de 1939, ainda viva à data em que escrevo. Casou com 22 de Agosto de 1964 com António Ferreira da Costa.Está ainda viva.

Toda esta gente eram meus parentes por parte do ramo de minha mãe já que a sua avó, por isso minha bisavó, Margarida da Conceição, era filha de António Caetano de Azevedo, carpinteiro de profissão, e de Maria Gomes da Conceição, costureira, moradores no lugar das Quintães, que por sua vez também eram pais do Justino da Conceição Azevedo, que por sua vez era o pai da D. Laurinda. Logo o pai de D. Laurinda era irmão da minha bisavó materna.


Na imagem acima, vemos o simples monumento dedicado ao Imaculado Coração de Maria, localizado ao fundo do Monte do Viso, obra levada a cabo pelo núcleo da LIAM - Liga Intensificadora da Acção Missionária e sobretudo pela sua então presidente ou orientadora, a D. Laurinda Gomes da Conceição.

O monumento teve o seu início no ano de 2002 e terminou por 2003. A obra contou com ofertas de muitas pessoas, em dinheiro e materiais e com apuramento de várias iniciativas da LIAM.

A D. Laurinda, como ficou dito, faleceu em 5 de Setembro de 2016. Durante vários anos foi presidente/orientadora do grupo da LIAM, cargo que em Maio de 2004 transmitiu à Lurdes Lopes. Foi desde nova uma figura dedicada às causas dos missionários do Espírito Santo e por isso a sua ligação à LIAM foi sempre de muito empenho e com grande sentido de missão.

Pessoalmente, por volta de 2001, tive a oportunidade de pertencer ao grupo, e durante vários anos, e em muitas vezes e circunstâncias pediu-me colaboração a D. Laurinda, nomeadamente quando se propôs a construir este simples mas interessante monumento. Para o efeito realizei o levantamento topográfico do monte e do local onde se implantou, com a devida autorização da Junta de Freguesia, e esbocei o projecto.

Em rigor, por alguma simplificação e por poupança de custos, acabaram por ser modificadas algumas ideias da projecto original, nomeadamente a inclusão na parte de trás de um semi-círculo com função de banco de descanso e de oração. Previa também um pouco mais de elevação da plataforma de modo a que na frente fossem mais os degraus e se garantisse uma simetria na forma. 

A adaptação não foi do meu agrado, mas quando dela dei conta, porque já consumada, não fiz disso uma questão. É certo que teria sido mais interessante respeitar a forma pensada e projectada, mas foi o que foi e num sentido geral respeitaram-se algumas coisas. Todavia, é velho o hábito dos construtores fazerem tábua rasa dos projectos e fazerem as coisas à sua maneira.

Para além de outras actividades, e recordo-me dos seus passeios convívio, a passagem de ano do milénio, de 1999 para 2000, e ainda a publicação do boletim mensal "Janela Aberta", que mais tarde, no tempo do Pe. Arnaldo Farinha, seria retomado como boletim dominical da paróquia.

Há alguns anos, antes de falecer, a D. Laurinda entregou-me um molho de papéis vários, inlcuindo alguns resumos da sua actividade na LIAM bem como as contas tidas com a construção do monumento, escritas pela sua mão, com vários erros, como humildemente reconhecia, mas que mesmo sem um grande rigor nos dá uma ideia dos respectivos custos e origens das receitas. Considero-os elementos já com algum interesse documental, pelo que partilho aqui.



Num sentido geral fica-mos a perceber que houve contributos provenientes de peditórios feitos na maior parte dos lugares da freguesia, ainda ofertas da maior parte dos materiais, como pedra e cimento, ainda tijoleira e granito, bem como de carretos e mão-de-obra tanto de pedreiro como de trolha.

O elemento principal do monumento, a imagem do Sagrado Coração de Maria custou 1.752,00 euros. A imagem e o monumento tiveram a sua benção pelo Pe. Domingos Moreira, sendo que que não obtive a dat certa mas naturalmente terá sido em 2003. 

Entre vários nomes mencionados nesta campanha do monumento, é salientado o empenho do saudoso José Coelho que em muito ajudou a obra e a D. Laurinda nas suas acções.

A todos estes nomes, embora de forma anónima, a D. Laurinda quis deixar uma nota, com a inscrição alusiva à autoria da obra, com a designação de "LIAM e BENFEITORES - 2003".





Nesse molho de papéis que me deixou a D. Laurinda, partilho um recorte onde justifica a entrega dos mesmos, chamando-lhe "testamento", pedindo-me para aproveitar alguma coisa para "recordação" ou então, "para deitar fora". É claro que não deitei fora como, pelo contrário, guardei e guardo com todo o respeito e consideração. Para muitos é um simples papel com uma escrita com vários erros mas para mim, e para o historial da LIAM, tem muito valor e mais terá com o passar dos anos.
Parece que foi há meia dúzia deles mas na realidade passaram já mais de vinte anos..

Por tudo isto, por este legado, mas por toda a dedicação que a D. Laurinda Gomes da Conceição teve para com a LIAM e para com a nossa paróquia, é de justiça que se lhe faça esta referência e memória e se evoque a sua figura.
Dos fracos não reza a História mas dos que temos como bons, e não são muitos, importa tê-los vivos nas nossas melhores memórias. 

Por tudo, obrigado à D. Laurinda, uma senhora, e que Deus a tenha à sua sombra bem como Maria, a tenha também como filha querida que à sua devoção tanto dedicou.



A seguir, a partilha de alguns elementos do projecto e levantamento topográfico, que naturalmente fiz sem qualquer custo, apenas por vontade e gosto..




Abaixo, imagens do boletim "Janela Aberta" que a LIAM publicou a partir de Janeiro de 2001, ano jubilar, e que durou alguns anos. A distribuição era gratuita mas aberta à oferta do que os leitores quisessem dar.
Como atrás ficou dito, mais tarde, no tempo do Pe. Arnaldo Farinha, o título foi aproveitado para o boletim dominical que com a minha colaboração (redacção, grafismo e impressão) se manteve durante alguns anos.